ENTREVISTA COERENTE COM ANA PAULA FERNANDES

Ana Paula Fernandes | Chefe de Unidade de Prospetiva, Relações Globais e Reforma de Políticas, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE)


1 – Que inovações gostaria de destacar no financiamento do desenvolvimento, nos últimos anos?

A nova abordagem reiterada na Agenda de Ação de Adis Abeba: a ajuda pública ao desenvolvimento é importante e relevante, mas temos de apostar numa bordagem mista de financiamento (públicos e privados) que permitam garantir não só o volume necessário de financiamento, mas também a sustentabilidade dos investimentos (públicos e privados) – oda [Official Development Assistance] and beyond.

O setor privado é um reconhecido aliado, se socialmente responsável. Mas mais importante é reinventar os mecanismos e instrumentos de financiamento para que mais opções de financiamento a baixo custo estejam disponíveis ao longo de todo o processo de desenvolvimento dos países. A nova abordagem ao financiamento para apoiar as diferentes fases de desenvolvimento de um país durante a sua transição/ graduação constitui uma mudança de mentalidade e pode contribuir para reformar os instrumentos e mecanismos de decisão das organizações financeiras internacionais.

2 – Fala-se muito dos fluxos financeiros ilícitos como uma incoerência que prejudica o desenvolvimento dos países. Mas os progressos no combate a estes fenómenos parecem ser escassos – porque acha que isso acontece?

Muito se tem feito no combate internacional ao fluxo ilícito de capitais. O relatório da OCDE The Economy of Illicit Trade in West Africa menciona que “A Agenda 2030 e a Agenda de Ação para o Desenvolvimento sublinham que os ODS não podem ser alcançados sem reduzir os fluxos financeiros ilícitos e melhorar as capacidades de mobilização de recursos internos de um país, e o G7 e o G20 pediram que os países tomassem medidas em várias frentes.”

O relatório foi elaborado em cooperação com o Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), o Grupo Intergovernamental de Ação contra o Branqueamento de Dinheiro na África Ocidental (GIABA), o Banco Mundial e a Nova Parceria para o Desenvolvimento de África (NEPAD). O relatório analisa os constrangimentos e recomenda uma intervenção coordenada a nível internacional. Se não houver uma melhor coordenação internacional e regional (incluindo ao nível regulatório em áreas não diretamente relacionadas com o combate ao fluxo ilícito de capitais) o combate não produz efeitos concretos. O problema é apenas deslocado para outro país.

3 – O que pode ser feito para assegurar que os investimentos e a inovação contribuem efetivamente para o desenvolvimento dos países mais pobres?

Combater a corrupção, apoiar e fomentar a participação ativa dos cidadãos nas decisões políticas, aplicar medidas que promovam a inclusão social e espacial. Utilizar a tecnologia de forma responsável para disseminar a inovação e conhecimento por forma a criar mecanismos formais de desenvolvimento e informação (por exemplo, utilizar a tecnologia para criar plataformas de informação a migrantes sobre oportunidades de emprego a nível global).

4 – Tem havido algumas críticas por parte da sociedade civil pela forma como está a ser promovida na prática a participação do setor privado no desenvolvimento. Qual a sua perspetiva sobre esta questão?

Há que distinguir quem no setor privado tem uma atitude e políticas de investimento socialmente responsáveis de quem não as tem. A sociedade civil deve desempenhar o seu papel de contrapoder e de “fiscalizador de boas práticas” não só em relação o sector público como ao privado.

Hoje não é possível pensar o desenvolvimento sustentado sem o envolvimento de todos os atores, incluindo o sector privado. O ODS 17 aponta possibilidades infinitas para parcerias que fomentem mais impacto e melhores resultados. A sociedade civil pode e deve ser parte ativa na construção de parcerias inovadoras também com o setor privado. Muitas empresas investem em ciência, tecnologia e investigação para o desenvolvimento. Essa nova tecnologia, essa inovação, deve também ser usada nos projetos de cooperação para o desenvolvimento (nova tecnologia aplicada às redes mosqueteiro ou a utilização de drones na distribuição de medicamentos em zonas remotas ou de difícil acesso devido a situações de conflito – como já acontece).

5 – Qual o trabalho desenvolvido pela OCDE no âmbito do comércio, finanças e desenvolvimento – pode referir exemplos concretos de ações, debates, lições aprendidas nestas áreas que considere relevantes?

Há dois estudos importantes nesta área: o relatório da ajuda ao comércio e o relatório sobre o blending.

A OCDE está ainda a desenvolver uma nova publicação que estuda as interligações entre as diferentes políticas públicas na área do investimento, fiscalidade, estatísticas e comércio e a ajuda pública ao desenvolvimento. Este será apresentado até ao fim do ano e será bastante interessante.

Uma outra área de estudo tem sido a do financiamento ao clima e a do financiamento aos países que transitam e graduam.