Democracia em tempos de pandemia: Impacto da pandemia COVID-19 em Portugal

22 Mai, 2023

Quando falamos da pandemia de COVID-19 e dos efeitos negativos gerados pela mesma, tendemos a olhar essencialmente para o impacto na saúde, onde foi claramente mais direto e violento, bem como para as repercussões ao nível económico. No entanto, de acordo com o estudo apresentado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos “Impactos da Pandemia de COVID-19 em Portugal”1, no contexto português, “a pandemia gerou uma tripla desigualdade: económica, social e política”, pelo que não devemos desvalorizar os danos que este vírus, e em particular a resposta do Governo na sua contenção, representam no cenário político, tendo revelado e intensificado inúmeras desigualdades e fragilidades do sistema político português.

A pandemia veio, de certo modo, colocar à prova a resiliência dos governos e da própria democracia. No mundo inteiro, diversos governantes utilizaram a pandemia de COVID-19 para justificar restrições de liberdades individuais e direitos fundamentais, elementos centrais de um Estado democrático, sendo que estas violações não se restringiram somente a governos com menor maturidade democrática ou desenvolvimento económico.

Nas palavras de Miguel Poiares Maduro e Catarina Santos Botelho em “A Democracia Portuguesa em Tempos de Pandemia”2, antes do aparecimento do novo coronavírus, a democracia em Portugal enfrentava já diversos desafios e debilidades estruturais, que o combate ao vírus veio expor e amplificar. O estudo enunciado concluiu ainda que os níveis de satisfação dos portugueses com o funcionamento da democracia “decresceram significativamente” durante o período de pandemia, o que se estende à maioria dos países da OCDE. Aliás, um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), acerca da confiança dos cidadãos nas instituições públicas, revelou inclusive que a grande parte dos cidadãos dos países da OCDE perdeu confiança nos governos com a pandemia de COVID-19.

A noção que partilhamos de liberdade, um direito fundamental, foi também fortemente abalada. Algo que tomávamos como certo e garantido, como sair à rua, ir ao supermercado, estar com a nossa família e amigos, do nada deixou de ser possível, com um Governo a adotar fortes medidas restritivas e a decretar que temos que ficar em casa em prol da saúde pública e do bem comum. Como afirmam Nuno Monteiro e Carlos Jalali “os indivíduos estão dispostos a prescindir temporariamente de direitos e liberdades fundamentais, bem como a tolerar limitações em relação às normas e práticas da democracia, se em contrapartida lhes for garantida segurança face às ameaças sociais e pessoais a que estão expostos”. No entantomuitas das medidas de contenção adotadas foram constrangedoras dos direitos e dos princípios democráticos fundamentais. Os repetidos confinamentos, cercas sanitárias, controlo na liberdade de circulação, encerramentos dos espaços de cultura, de reunião, de comércio, entre tantos outros, acabam por ter um “custo democrático”. O direito a protestar, por exemplo, foi igualmente condicionado numa tentativa de controlar a propagação do vírus.

Não pode deixar de ser referido o impacto desproporcional nos grupos mais vulneráveis da população. Como é enunciado no Estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos1 , “a COVID-19 pode ser comparada a uma tempestade inesperada, mas enfrentámo-la
em embarcações muito distintas” .

“Sendo que “a desigualdade económica e a desigualdade política se reforçam mutuamente”, o diferencial em assuntos de índole política entre os que vivem uma situação socioeconómica mais e menos privilegiada parece ter aumentado com a emergência da pandemia de COVID-19.
O cenário pandémico está igualmente associado a uma crescente polarização dos portugueses, em particular entre apoiantes de partidos de esquerda e de direita em relação à gestão política da crise.

Enfrentar a tripla desigualdade1 provocada pela pandemia (economia, social e política) revela-se fundamental na resposta futura aos efeitos da mesma e na construção de soluções políticas necessárias assente num diálogo conjunto e uma monitorização atenta das violações de direitos humanos fundamentais. O foco deve ser garantir que as limitações impostas aos direitos humanos, mesmo que consideradas necessárias e temporárias, não representem um espaço de abuso de poder e de aproveitamento governamental. Ambientes hostis e de maior instabilidade funcionam muitas vezes como terreno fértil para a emergência e crescimento do populismo e de regimes autoritários, que colocam em causa a democracia, pelo que devem ser eitos esforços para reverter tendências preocupantes e que ameaçam princípios fundamentais.

Considerando que vivemos atualmente um momentos pós-pandémico, apesar de continuarem a ser registados números elevados de casos positivos para a COVID, devemos agora olhar para esta pandemia e para os erros cometidos no passado como uma fonte de
aprendizagem e acima de tudo de reflexão e redefinição de prioridades.
Nenhum país está imune a ameaças à democracia, pelo que as nossas liberdades são
algo que nunca podemos tomar como garantido.4

Daniela Lopes
Aluna do ISEG e Estagiária de Mestrado de Desenvolvimento e Cooperação Internacional

 

Referências

1 Nuno Monteiro e Carlos Jalali (coord.), “Impactos da pandemia de COVID-19 em Portugal”, Fundação Francisco Manuel dos Santos, maio de 2022. https://www.ffms.pt/FileDownload/5797034f-8679-4017-ade0-d111dcaff9e0/resumo-do-estudo-um-novo-normal-impactos-e-licoes-de-dois-anos-de-pandemia-em-portugal

2 Miguel Poiares Maduro e Catarina Santos Botelho, “A Democracia Portuguesa em Tempos de Pandemia”, in Miguel Poiares Maduro & Paul Kahn (coord.) Democracia em Tempos de Pandemia, Princípia, Cascais, 2021, pp. 163-182. https://ssrn.com/abstract=4028592

3 https://www.oecd.org/coronavirus/pt/

4 Liberties, Report: ‘EU 2020: Demanding on Democracy – Country & Trend Reports on Democratic Records
by Civil Liberties Organisations Across the European Union’ (9 de março de 2021).
https://static.poder360.com.br/2021/03/Report_Liberties_EU2020.pdf

O projeto TiK TaK – Human Rights on Hold, tem como objetivo refletir sobre o impacto das medidas restritivas da COVID-19 nos Direitos Humanos e é promovido pela FEC | Fundação Fé e Cooperação em parceria com a Par – Respostas Sociais e a Norsensus Mediaforum, e financiado pelos EEA Grants no âmbito do Programa Cidadão Ativ@s, gerido, em Portugal, pela Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação Bissaya Barreto

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