DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
É verdade que sempre existiram mudanças climáticas no planeta, mas esta é a primeira vez que essas alterações são provocadas por uma espécie. A análise da aceleração das alterações climáticas, particularmente a partir da segunda metade do século XX, não deixa margens para dúvidas: estas alterações derivam de uma concentração elevada de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera, causada pela queima de combustíveis fósseis – ligada aos transportes, à agricultura, à indústria, ao aquecimento – e por atividades humanas como a urbanização e a desflorestação, conduzindo a alterações no uso dos solos que afetam o ciclo do carbono e contribuem também para o efeito de estufa.
Desde a revolução industrial, a espécie humana tem libertado cada vez mais CO2 e outros GEE para a atmosfera, originando cerca de 100 vezes mais GEE do que fenómenos naturais como os vulcões. A interferência antropogénica no sistema climático tem sido perigosa e desestabilizadora, conduzindo a riscos, ameaças e impactos adversos e multidimensionais.
É verdade…! “O aumento da temperatura da superfície terrestre já está a ter impactos graves em termos sociais, humanos, económicos e ambientais. Se tivermos em consideração que, uma variação de 1ºC pode ser a diferença entre o gelo e a água, facilmente compreendemos o impacto no meio natural, através do aceleramento do descongelamento dos glaciares, do aumento do nível médio do mar, da extinção de espécies, do desaparecimento de zonas costeiras e de outras mudanças.
Os cientistas e os atuais acordos e políticas internacionais em matéria de alterações climáticas defendem a necessidade de limitar o aquecimento a não mais do que 1,5ºC em comparação com a era pré-industrial, já que, segundo os dados disponíveis, este será o valor máximo que permitirá fazer face a uma alteração climática, sem que venham a verificar-se os cenários de impactos mais dramáticos, para os quais a adaptação será mais difícil, mais cara ou, nalguns casos, mesmo impossível. Isto implicará reduções significativas das emissões de GEE e a descarbonização global do planeta até final do século. Pelo contrário, um agravamento do aquecimento global representa uma séria ameaça à vida na Terra como a conhecemos. Os dados científicos apontam para que uma subida de 3ºC possa afetar 470 a 760 milhões de pessoas apenas devido à subida do nível do mar, com reflexos em cidades altamente povoadas, situadas nas zonas costeiras.
Existem muitas evidências e exemplos de, como o combate às alterações climáticas é, não apenas ambientalmente responsável e socialmente mais correto, como economicamente mais inteligente. Nomeadamente, o paradigma económico tem vindo a mudar, na medida em que o crescimento económico está cada vez mais dissociado do consumo energético, com cada vez mais economias a crescerem independentemente do consumo energético diminuir. A prossecução de economias de baixo carbono, o crescimento das energias renováveis, a reconversão e renovação dos setores económicos, as inovações tecnológicas que estão na base da revolução energética e de outras em curso, a gestão de resíduos, entre outros aspetos, criam uma grande diversidade de oportunidades de crescimento e de desenvolvimento.
Por um lado, representam frequentemente uma poupança; refira-se como exemplo que a descarbonização do sistema elétrico deverá poupar cerca de 1.8 biliões de USD nas próximas duas décadas. Por outro lado, a queda da procura por combustíveis fósseis e o aumento da procura de energias renováveis e tecnologias limpas gera um aumento dos empregos disponíveis, particularmente para a classe média, e cria novas oportunidades de negócio, de investimento e de empreendedorismo num setor em rápido crescimento. Assim, se a utilização de energias renováveis continuar a crescer e o seu custo de produção a cair, as pessoas pagarão menos pela energia que consomem e também pelos efeitos negativos das alterações climáticas provocadas pelos combustíveis fósseis.
A ação climática e a construção de sociedades e economias hipocarbónicas representam não apenas uma urgência ambiental, mas uma oportunidade económica, através de vários benefícios: novos postos de trabalho, maior competitividade, maior crescimento, menor poluição e cidades mais eficientes, implantação de novas tecnologias úteis em vários setores, aprovisionamento seguro de energia e gestão mais sustentável dos recursos, etc.
Existe, portanto, uma oportunidade para os países em desenvolvimento não seguirem os modelos de crescimento prosseguidos no passado pelas economias mais desenvolvidas, optando por rumos mais sustentáveis que são mais benéficos no contexto atual da globalização, quer em termos ambientais, quer no plano social e económico.
É verdade que, mesmo se parássemos completamente hoje de emitir GEE e poluição carbónica, o planeta continuaria a aquecer durante algum tempo e os efeitos das alterações climáticas a fazer-se sentir. Isto porque a poluição que causa as alterações climáticas permanece na atmosfera durante um longo período, sendo difícil inverter imediatamente o rumo do clima quando ele vai numa determinada direção. No entanto, se agirmos agora, podemos conseguir limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC em comparação com a era pré-industrial, enquanto se nada fizermos existirá indubitavelmente um agravamento da situação.
Não só é possível e realizável atingir as metas acordadas, como as ações necessárias estão estudadas e identificadas. Seja através da mitigação (redução da emissão dos gases que causam as alterações climáticas), seja através da adaptação (ações para reduzir o impacto e melhorar a capacidade de resposta às alterações climáticas e suas consequências), a ação humana é determinante para evitar o agravamento das alterações climáticas e para as combater.
Os custos das alterações climáticas são muito maiores do que os custos necessários para implementar respostas adequadas e eficazes. Em 2012, um estudo realizado pela ONG europeia DARA e o Climate Vulnerable Forum concluía que as perdas económicas devido às alterações climáticas tinham ascendido a 700 mil milhões de USD só em 2010, sendo certo que esse montante tem aumentado nos últimos anos, nomeadamente devido à maior intensidade e frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como secas ou furacões. Isto para além da existência de centenas de milhares de mortes relacionadas com o clima, que ocorrem todos os anos. Calcula-se que a falta de ação sobre as alterações climáticas pode vir a reduzir o rendimento per capita no mundo em cerca de 23% até 2100, aumentando também as desigualdades globais (uma vez que, em 40% de países mais pobres do mundo, essa perda de rendimentos devido às alterações climáticas pode chegar a 75%).
Apenas devido às alterações climáticas, a maioria dos países deverão ser mais pobres em 2100 do que hoje, o que significa que a ação climática não é um custo, mas sim uma necessidade no presente e um investimento no futuro. Já as estimativas sobre os montantes necessários para combater as alterações climáticas apontam para uma necessidade de financiamento adicional na ordem dos 700 mil milhões de USD por ano, para financiar a transição para economias hipocarbónicas
até 2030 (Banco Mundial, 2017). O investimento em determinados setores cruciais nesta área, como as energias renováveis, paga-se a si próprio, para além de que tem custos cada vez mais baixos e uma procura cada vez maior.
À primeira vista, os efeitos do novo coronavírus nas alterações climáticas foram positivos, uma vez que se registou uma diminuição da emissão de GEE devido ao confinamento e redução ou paragem de muitas atividades económicas, originando uma queda acentuada na procura e consumo global de energia primária (AIE, 2020). Em poucos meses, foi resolvido o problema que várias décadas de factos, ciência, advocacia, divulgação e esforços diplomáticos para diminuir as emissões foram incapazes de realizar. (…) Em termos práticos, a paragem da economia mundial permitiu vivenciar uma qualidade ambiental como há décadas não era possível, nomeadamente na diminuição da poluição sonora e atmosférica, com a melhoria da qualidade do ar que respiramos. (…)
No entanto, essa redução temporária não se refletiu numa diminuição da concentração de CO2 na atmosfera, que em 2020 atingiu o nível mais elevado de sempre, devido aos efeitos cumulativos do grande crescimento das emissões ao longo de décadas. (…) Os anos de 2016 a 2020 foram os que registaram maior aquecimento médio global desde que existem registos e as emissões de GEE estavam em crescimento desde o fim da crise de 2008-9, atingindo um valor máximo em 2019 e colocando o mundo numa trajetória para chegar a 3ºC de aquecimento global no final do século, com consequências dramáticas para a Humanidade. Assim, sem uma real reformulação dos sistemas económicos, a implementação de modelos de crescimento e desenvolvimento mais sustentáveis e a transição para um sistema energético mais limpo e resiliente, como recomendam os cientistas, é muito provável que os ganhos sejam apenas momentâneos e que a história se repita (AIE, 2020).