Inês Amorim 

Inês, 26 anos, trabalhou na linha da frente com refugiados e hoje integra a equipa do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável. Compõe música de intervenção e coordena um grupo ativistas climáticos.

“Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso.”

(LS 194)

Inês Amorim é natural do Porto, mas trabalha em Lisboa há alguns anos. Tem uma visão bastante clara do seu percurso e da evolução dos seus interesses. Reconhece nas suas raízes um papel forte nas suas preocupações globais, para começar. A família da sua mãe é angolana e veio para Portugal no início da Guerra Civil, ficando numa posição de vulnerabilidade. Desde aí entende a arbitrariedade das desigualdades sociais. Por isso, os pais sempre a incentivaram a olhar para o mundo e agir. “Tudo na minha vida está interligado. Sempre me preocuparam mais os assuntos sociais, as pessoas, e sempre me envolvi em projetos de voluntariado”. Foi esta convicção que a levou, por exemplo, à linha da frente em Lesbos, a apoiar refugiados com o JRS – Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados.

Quando ouviu falar do ativismo de Greta Thunberg e teve conhecimento do relatório do IPCC de 2018, aprofundou o seu conhecimento sobre as relações entre alterações climáticas e migrações, segurança alimentar, direitos humanos e justiça social. Não cresceu no meio da Natureza, o que a impediu de se aperceber diretamente das implicações deste fenómeno, mas agora não tem dúvidas: “Estamos a perpetuar um sistema que afeta os mais vulneráveis e estamos, sem dúvida, a contrair uma grande dívida para todos no orçamento das emissões de gases com efeito de estufa, em particular do carbono. De acordo com o relatório do IPCC, se efetivamente não reduzirmos em pelo menos 45% as emissões de carbono até 2030, em relação a 2010, não será possível controlar os eventos meteorológicos extremos, que são cada vez mais frequentes. Não se trata de ser alarmista ou moralista. É um facto.” São estas as palavras com que começa uma conferência com alunos da Faculdade Medicina da Universidade de Lisboa, para a qual foi convidada, pelo seu envolvimento no movimento 2 Degrees Artivism.

“Precisamos de líderes e CEOs que façam a diferença, porque por melhores escolhas de consumo que façamos, as decisões à escala da produção não passam por nós.” Na mesma intervenção, frisou que a ação climática tem de ser um movimento global. “Nem todas as empresas são más” tenta explicar à audiência. No entanto, na sua opinião, os governos e as empresas não estão a fazer o suficiente. Também por esse motivo se juntou ao 2 Degrees Artivism, que se iniciou em março de 2019. Diz que “está no processo” de se tornar ativista. O 2 Degrees afirma que a arte deve usar o seu potencial para “salvar-nos do nosso modo de vida” que provoca “o maior problema coletivo” que já enfrentámos, que cria “enormes desigualdades e riscos para os vulneráveis”. Relembramos as migrações. Com o 2 Degrees já organizou um ciclo de documentários sobre clima e agora estão a iniciar novas campanhas. Está a pensar integrar a música no “artivismo”: a Inês, para além de Economia, fez a licenciatura em Canto Lírico e está a compor algumas canções de intervenção, sobre desigualdades, ansiedades coletivas e empatia, sobre os jovens que protestam na rua e os jovens condenados à rua. “Tal como o problema é sistémico, devo também responder com diferentes talentos, de diferentes formas”.

“Precisamos de líderes e CEOs que façam a diferença, porque por melhores escolhas de consumo que façamos, as decisões à escala da produção não passam por nós.”

Também por este motivo o ativismo fora de horas não lhe bastou. A Inês trocou o seu trabalho num grande grupo empresarial pelo BCSD Portugal (Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), onde trabalha como chefe de operações. O trabalho do BCSD consiste em promover e capacitar as empresas para uma atividade mais responsável, através de grupos de trabalho, uma carta de princípios cujo cumprimento é monitorizado por indicadores, e projetos, como as jornadas para a sustentabilidade, uma formação faseada para a sustentabilidade; o ESI Europe, que promove um seguro de poupança energética para empresas, sobretudo pequenas e médias empresas; o Pacto de Mobilidade Empresarial para a Cidade de Lisboa; o Meet 2030, que criou dois potenciais cenários que a economia portuguesa pode enfrentar em 2030, no contexto da quarta revolução industrial e dos compromissos de descarbonização; entre outros. Os grupos de trabalho revestem-se de particular interesse pela sua continuidade e trabalham em seis áreas: Descarbonização, Biodiversidade, Cadeia de Valor, Economia Circular, Finanças Sustentáveis e Cidades Sustentáveis.

Para a primeira sessão de 2020 do grupo de trabalho para a neutralidade carbónica, onde se reuniram cerca de dez empresas associadas, o BCSD convidou dois ativistas climáticos: o Diogo, fundador do 2Degrees, e a Carolina, gestora de comunicação para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Ambos tentaram facilitar um trabalho de grupo entre os representantes das empresas para “incubar” ideias para alinhar o seu negócio com os compromissos da neutralidade carbónica. Nesta reunião, puseram em comum os novos planos para as empresas no quadro do Pacto Verde Europeu. Relembraram também a divulgação de riscos financeiros associados às alterações climáticas, estudados pelo Grupo de Trabalho sobre Divulgação Financeira no âmbito Climático (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), do Conselho de Estabilidade Financeira, bem como a divulgação do uso do carbono, no âmbito do Carbon Disclosure Project, e a relação entre preço de carbono e competitividade. Referiram também o papel da coligação We Mean Business e dos Science-Based Targets (SBT), i.e., metas de redução de emissões para as empresas alinhadas com o Acordo de Paris.

A Inês refere diante dos participantes que 750 empresas já se comprometeram com os SBT e 315 empresas já definiram metas muito concretas, incluindo empresas portuguesas, como os CTT (30% emissões absolutas até 2025) e a EDP (40% emissões absolutas até 2030, tendo 2010 como base). Nos SBT, o offset, i.e., a compensação de emissões não é contabilizada e as emissões devem ser publicadas anualmente. É o compromisso mais consensual a nível global para o setor privado. Relembra um participante empresário que a economia mundial já está a sofrer perdas e danos consideráveis com as alterações climáticas, como explica o relatório Climate Risk and Response, do McKinsey Global Institute, perdas essas que tenderão a acentuar-se se as empresas não se comprometerem a reduzir as emissões. Para concluir a reunião, a Inês é clara: “descarbonização empresarial é possível e necessária até 2050, até porque o Roteiro de Neutralidade Carbónica assim o exige. As empresas não têm apenas de financiar, mas de descarbonizar todas as suas operações”, incluindo externalidades, aquilo que, neste âmbito, se entende por “Scope 3”.

No final da reunião, falámos uns breves minutos com a Inês. Diz-nos que “houve uma parte da minha vida em que pensava que as empresas eram só parte do problema, mas agora percebo que o nosso trabalho é fazer com que elas façam parte da solução.” É certo que, apesar dos inúmeros compromissos que se têm vindo a estabelecer nos últimos anos, as emissões de gases com efeito de estufa não têm cessado de aumentar; mas é precisamente por isso que cresce a importância de persuadir o setor privado a descarbonizar o mais ambiciosa e rapidamente possível. Não é um caminho fácil, mas é urgente e necessário. Aos alunos da Faculdade de Medicina, na sessão que acompanhámos, a Inês resumiu, de forma humilde, aquilo que tenta fazer com a sua própria vida: “Se há alguma mensagem que quero passar aqui hoje, é que, para fazer à crise climática, a ação coletiva é fundamental. Sozinhos não somos nada.”. Por isso, vai continuar, também fora de horas, a organizar acções com o 2 Degrees Artivism e a compor e cantar sobre o mundo em que queremos viver.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em destaque:

8.4 Melhorar progressivamente, até 2030, a eficiência dos recursos globais no consumo e na produção, e empenhar-se em dissociar crescimento económico da degradação ambiental, de acordo com o enquadramento decenal de programas sobre produção e consumo sustentáveis, com os países desenvolvidos a assumirem a liderança.

9.4 Até 2030, modernizar as infraestruturas e reabilitar as indústrias para torná-las sustentáveis, com maior eficiência no uso de recursos e maior adoção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente corretos; com todos os países atuando de acordo com suas respetivas capacidades.

12.6 Incentivar as empresas, especialmente as de grande dimensão e transnacionais, a adotar práticas sustentáveis e a integrar informação sobre sustentabilidade nos relatórios de atividade.

12.8 Até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e consciencialização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.

13.3 Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas.

17.17 Incentivar e promover parcerias públicas, público-privadas e com a sociedade civil que sejam eficazes, a partir da experiência das estratégias de mobilização de recursos dessas parcerias

Esta publicação é produzida no âmbito do projeto Juntos pela Mudança II – Ação conjunta pela sustentabilidade e resiliência nos estilos de vida e políticas nacionais e globais – implementado em Portugal pela Fundação Fé e Cooperação, a Associação Casa Velha e a CIDSE.

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