DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), os alimentos produzidos mundialmente dariam para alimentar entre 12 e 14 mil milhões de pessoas. Existe, portanto, comida suficiente no mundo para que todos possam ter a nutrição adequada para uma vida saudável e produtiva. Entretanto, é preciso que a produção e a distribuição de alimentos sejam mais eficientes, sustentáveis e justas. Isso significa apoiar pequenos agricultores – que são maioria nos países em desenvolvimento – e assegurar que tenham acesso adequado aos mercados para que possam vender seus produtos. É preciso também combater o desperdício alimentar, que representa perdas enormes, quer em termos económicos, quer ambientais e sociais.
O aumento da produção de alimentos, que tem sido evidente ao longo das últimas décadas, não foi suficiente para erradicar a fome e resolver os problemas de insegurança alimentar. O enfoque no crescimento da produção gerou outros problemas, como a grande dimensão das perdas e desperdício alimentar, o aumento da pegada ambiental dos sistemas agrícolas e alimentares, ou a degradação de recursos naturais como os solos ou a água.
Para além disso, o uso alargado de fertilizantes, pesticidas e químicos ameaçam cada vez mais alguns tipos de colheitas dependentes da polinização, afetam a biodiversidade e os ecossistemas, bem como a saúde humana. Assim, o enfoque terá de ser mais na transformação dos sistemas agrícolas e alimentares do que propriamente num aumento da produção. Por outro lado, as pessoas podem passar fome mesmo quando existe muita comida, já que o problema é frequentemente uma questão de acesso: falta de condições financeiras para comprar comida, impossibilidade de deslocação até os mercados locais, etc. Por fim, não é apenas a quantidade, mas também a qualidade dos alimentos que está em causa. Uma boa nutrição significa ter a combinação certa de nutrientes e calorias necessárias para um desenvolvimento saudável.
É verdade que a fome afeta principalmente os países em desenvolvimento, particularmente na África Subsariana e no Sul da Ásia. No entanto, a escassez alimentar e a malnutrição são problemas relevantes nos países desenvolvidos, onde as desigualdades estão a aumentar e a exclusão social agrava problemas de insegurança alimentar. Uma em cada nove pessoas no mundo não tem o que comer, e isso afeta a humanidade como um todo. A fome diminui os progressos em áreas importantes que conectam nações e compromete o desenvolvimento global. Por outro lado, outros problemas nutricionais tornaram-se também, cada vez mais, globais. Hoje a obesidade é um problema global, que agrava desigualdades sociais e retira rendimentos e capacidade de trabalho aos mais pobres da sociedade.
As emergências são responsáveis por apenas 8% da fome mundial, segundo a FAO. Por isso, ações e projetos de longo prazo, como programas de refeições escolares, ou ações estruturantes que transformem os sistemas agroalimentares e que melhorem a resiliência das comunidades são tão importantes para combater a fome de forma sustentada. A natureza é apenas um dos fatores que influenciam a fome. A proporção das crises alimentares que está
ligada a causas humanas é cada vez maior, incluindo fatores ligados a conflitos violentos, às dinâmicas dos mercados mundiais e outros. Na verdade, a fome é na sua essência um problema político, que deve ser combatido com respostas políticas, económicas e sociais.
A fome, a subnutrição e a desnutrição têm efeitos não apenas na saúde das pessoas, mas também impactos alargados e multidimensionais nas sociedades e nas economias. Uma grande prevalência de fome e carências nutricionais afeta o desenvolvimento humano, prejudica a economia, fomenta tensões sociais e conflitos, afeta a produtividade e o crescimento, reduzindo significativamente as potencialidades de desenvolvimento.
Está provado, por exemplo, que o acesso a alimentação adequada é fundamental para a educação e aprendizagem das crianças, influenciando também mais tarde as qualificações, as condições de trabalho e os salários e o contributo dessas mesmas pessoas para as economias dos seus países. O combate à fome é, assim, uma condição de base essencial para que seja possível resolver questões ambientais, económicas e de segurança.
O crescimento económico não resolve, por si só, problemas de subnutrição crónica ou de insegurança alimentar. Na verdade, um crescimento económico que não seja inclusivo, que não englobe uma redução das desigualdades e que não inclua preocupações com os setores mais vulneráveis da sociedade pode mesmo exacerbar problemas de insegurança alimentar e malnutrição. Já a (in)segurança alimentar influencia de forma considerável o crescimento económico. Os países com altos níveis de pobreza e desnutrição crónica enfrentam grandes limitações ao desenvolvimento humano, que é necessário para ter um crescimento sustentável.
A pandemia tem exacerbado a pobreza global, aumentando o número de pessoas em situação de pobreza extrema ou moderada e fazendo reverter os ganhos de desenvolvimento das últimas três décadas, com ligações estreitas à situação de insegurança alimentar. Se é um facto que os indicadores de insegurança alimentar vinham a piorar há já alguns anos, os impactos do vírus vieram agravar ainda mais a situação dos grupos populacionais mais vulneráveis, criar novas bolsas de pobreza, fome e insegurança alimentar num grande número de países, e reforçar as desigualdades económicas e sociais (FAO, 2020).
As Nações Unidas estimavam, em abril de 2020, que o número de pessoas em situação de insegurança alimentar aguda, ou seja, no nível mais grave de fome e escassez de alimentos, duplicaria em 2020, passando de 135 milhões de pessoas para 265 milhões ao longo do ano. Essas previsões deverão até estar subestimadas, pois só no último trimestre de 2020, a pandemia colocou 130 milhões de pessoas em risco de fome – e o ano de 2021 assistirá ao maior número de pessoas em situação de fome na última década.