DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
Muitos estudos demonstram que a maior parte dos migrantes internacionais não são as populações mais pobres dos países mais pobres, pela simples razão que não têm capacidade para o fazer. A maior parte dos migrantes é proveniente de países de rendimento médio, e foi nestes países que a emigração mais aumentou nos últimos 15 anos (NU, 2016). Verifica-se que os países com maior emigração – tais como o México, a China, ou as Filipinas – figuram nessa classificação e são países que registam uma melhoria dos seus indicadores de desenvolvimento socioeconómico.
Isto reforça a constatação de que as motivações para as migrações são múltiplas e multidimensionais. Na realidade, a melhoria do desenvolvimento socioeconómico no plano nacional tende a estimular, a curto e médio prazo, um aumento da migração internacional. Tal acontece porque há um aumento das expectativas relativamente à qualidade de vida e um maior acesso a recursos que permitem às pessoas equacionar a hipótese de saírem do seu país.
Embora a migração internacional tenha nas últimas décadas aumentado em termos de números absolutos, os migrantes internacionais representam apenas cerca de 3% da população mundial – uma proporção que se tem crescido pouco ao longo destas décadas. Dos movimentos migratórios internacionais, a parte mais expressiva (mais de 35%) tem lugar entre os países em desenvolvimento. Os migrantes internacionais provenientes de países do “Sul” em desenvolvimento e residentes em países do “Norte” desenvolvido são cerca de 82 milhões, correspondendo a um terço da migração internacional e a 1% da população mundial.
A quantidade de pessoas de países do “Norte” que vivem fora do país onde nasceram ultrapassa os 67 milhões, vivendo na sua maioria (53,7 milhões) noutros países desenvolvidos. Independentemente da sua proveniência (países ricos ou pobres), as pessoas têm tendência a deslocarem-se para países próximos ou vizinhos do seu, e/ou para países onde existam laços históricos e culturais. Isto explica o facto de, na União Europeia, a maior parte dos migrantes serem provenientes de outros países europeus.
O objetivo primordial da política europeia de cooperação para o desenvolvimento é reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento dos países a que se destina, tal como estabelecido no art.º 208 do Tratado de Lisboa. Ou seja, o objetivo da ajuda ao desenvolvimento não é prevenir as migrações ou impedir que as pessoas se desloquem entre países. No entanto, esta retórica é observada frequentemente nos discursos de líderes europeus, com o objetivo de granjearem mais apoios políticos, particularmente em períodos eleitorais.
Se a cooperação para o desenvolvimento pode contribuir, a longo prazo, para tornar a migração uma escolha e não uma necessidade (pelos impactos esperados na melhoria das condições de vida, no acesso à educação, no contributo para menores desigualdades e para o crescimento económico), o seu objetivo não deve estar centrado na redução da migração irregular. Isto implicaria, por exemplo, que os países recetores da ajuda seriam selecionados mais com base nos seus números de emigração, do que nas suas necessidades de desenvolvimento.
Implicaria, também, que a ajuda ao desenvolvimento seria desviada para respostas de emergência de curto-prazo e não para a implementação de estratégias de desenvolvimento de longo-prazo. Para além disso, a utilização da ajuda ao desenvolvimento como “moeda de troca” nas negociações de questões ligadas às migrações, entre a UE e países terceiros, é contrária aos objetivos expressos da política europeia de Desenvolvimento.
Os migrantes contribuem de forma significativa para o desenvolvimento dos seus países de origem, quer através das transferências de montantes financeiros (remessas) quer das transferências de competências, tecnologia, valores e ideias. Globalmente, o valor das remessas dos migrantes enviadas para os seus países de origem é quase o triplo da ajuda ao desenvolvimento, sendo um fluxo financeiro de grande relevância para o desenvolvimento dos países.
Em vários países em desenvolvimento, as remessas representam uma parte considerável do PIB, e em muitos países pobres, pequenos, frágeis ou afetados por conflitos, as remessas dos familiares emigrados são essenciais para o sustento de muitas famílias, permitindo-lhes pagar as suas despesas correntes e contribuindo também para o consumo interno. Ao contrário de outros fluxos como a ajuda ao desenvolvimento ou o investimento, as remessas chegam diretamente às famílias e às comunidades dos países de origem, e não cessam em tempos de dificuldades nesses países.
A maior parte dos migrantes mantém relações estreitas com o seu país de origem. Em muitos países em desenvolvimento, boa parte das posições de topo em universidades, empresas e organismos governamentais é ocupada por pessoas que estudaram ou trabalharam no exterior e regressaram aos seus países de origem, trazendo consigo competências e experiência que devem ser valorizadas.
Cerca de 2/3 dos migrantes internacionais fazem parte da força de trabalho, e 3 em cada 4 trabalha no setor dos serviços (OIT, 2015). Embora o impacto socioeconómico das migrações seja dificilmente mensurável, os estudos apontam genericamente para um impacto benéfico nas economias dos países de destino ou acolhimento, quer no que respeita ao mercado de trabalho quer ao crescimento económico no geral (OCDE, 2014).
Os migrantes enriquecem as economias e sociedades dos países onde residem, trazendo uma maior diversidade de ideias e tecnologias inovadoras, contribuindo para o desenvolvimento do capital humano, aumentando a produção e criando novos empregos e negócios. Nos mercados de trabalho europeus, a contribuição dos imigrantes é essencial para aumentar a força de trabalho, em países com populações em rápido envelhecimento – e que necessitam de aumentar a sua população em
idade ativa, nomeadamente para equilibrarem as contas da segurança social. Por outro lado, a vasta maioria dos migrantes não emigra com o objetivo de estar dependente de sistemas de proteção social, mas sim para melhorar as vidas das suas famílias, reconstruir as suas vidas, trabalhar e/ou estudar.
Os empregos pouco qualificados são a maioria dos empregos disponíveis no mercado de trabalho europeu (Westmore, 2014), o que demonstra como as economias europeias também dependem de empregos com salários mais baixos e com qualificações mínimas. O envelhecimento da população significa que o espaço europeu precisa, de forma estrutural e crescente, de imigrantes com diferentes níveis de qualificações e competências. Em muitos países europeus, há setores onde existe falta de trabalhadores e que dependem já de mão-de-obra estrangeira e migrante, devido a uma falta de correspondência entre a procura e a oferta em determinada região ou setor económico (p.ex., agrícola).
Isto significa que, em muitos casos, as competências desses trabalhadores migrantes são complementares às dos trabalhadores locais e vêm preencher lacunas importantes, em setores que serão relevantes para o futuro das economias europeias, como é o caso da indústria e serviços do ramo alimentar, vendas a retalho, construção e transportes, entre outros. No entanto, as políticas nacionais e europeias de migração continuam a oferecer poucas possibilidades para trabalhadores migrantes de países terceiros poderem trabalhar legalmente e de uma forma regular neste tipo de setores. A ideia de que os migrantes “roubam” o trabalho aos nacionais de um país assenta na ideia errada de que o número de empregos numa economia é um número fixo. Com efeito, sendo consumidores de bens e serviços, investidores e empresários, os migrantes contribuem frequentemente para a criação de novas oportunidades de emprego e para o alargamento da oferta de trabalho nas economias.
A União Europeia constitui um espaço económico com mais de 500 milhões de habitantes. A vaga de migrantes e refugiados ao longo dos últimos anos representa menos de 1% da população europeia, ou seja, uma percentagem mínima, particularmente se tivermos em conta alguns países em desenvolvimento que acolhem proporcionalmente muitos mais refugiados e migrantes (como o Líbano, que acolhe cerca de 1.2 milhões de refugiados sírios, tendo uma população de 4.5 milhões, ou seja, ¼ da população). A pressão migratória varia também consideravelmente entre os países europeus, uma vez que a situação excecional vivida na Itália e na Grécia exige também medidas excecionais, incluindo maiores esforços de recolocação dos migrantes e de apoio a esses países.