DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E COERÊNCIA DAS POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
Se a relação entre insegurança, conflitos e pobreza está bem estudada e comprovada, já as relações entre paz e desenvolvimento não são tão lineares. Algumas ligações parecem relativamente simples: mais emprego reduz o risco de conflito e de insegurança, o que por sua vez promove um ambiente económico propício a mais investimento e mais emprego, que por sua vez aumentam a estabilidade económica, e assim por diante. No entanto, noutros aspetos, a ligação não é assim tão clara ou simples. O investimento no desenvolvimento pode nem sempre significar mais paz e segurança, particularmente se esse desenvolvimento for insustentável.
Em países frágeis ou países que têm problemas de instabilidade e insegurança, os governos enfrentam grandes dilemas: se adotam políticas de curto prazo para distribuição da riqueza por determinados grupos anteriormente marginalizados, podem estar a reforçar grupos de oposição ou grupos violentos que representem uma ameaça no futuro; se não abrem as portas a uma maior participação política e económica dos vários grupos, é impossível eliminar as causas da insegurança e da instabilidade. Da mesma forma, a paz não tem necessariamente reflexos positivos imediatos: a assinatura de um acordo de paz não gera automaticamente a paz nem contribui necessariamente para o desenvolvimento, tal como a realização de eleições não resulta numa cultura democrática ou na boa governação.
A violência inspirada por ideias radicais no plano ideológico e religioso, e o medo do alastramento na Europa através de atos terroristas, desafiam o nosso entendimento sobre o que significa estar seguro. No entanto, não devemos esquecer que quase 80% das mortes causadas pelo terrorismo em 2015 ocorreram apenas em 5 países – Iraque, Nigéria, Afeganistão, Paquistão e Síria (Cohen, 2016), tendo estes países continuado a ser os mais afetados em 2016 (segundo o Índice Global de Terrorismo12). Os 20 países mais afetados pelo terrorismo são todos países em desenvolvimento.
Para além disso, os países com maior número de ataques terroristas e de vítimas são, em muitos casos, países já consumidos por guerras civis ou por conflitos – mais de 90% dos atentados em 2015 tiveram lugar em países afetados por conflitos violentos. Em muitos destes países, as dificuldades do Estado assegurar o controlo da totalidade do seu território, a fragilidade das forças de segurança e das instituições públicas, as condições económicas e sociais mais propícias à radicalização, entre outros fatores, tornam mais fácil e provável a realização de ataques deste tipo.
Os processos de paz e de desenvolvimento são essencialmente endógenos. Por um lado, é necessário que sejam os atores internos – nacionais e locais – a liderar os processos de consolidação da paz, de construção do Estado e de promoção do desenvolvimento. As ações externas podem naturalmente apoiar esses processos, mas nenhuma ação terá resultados sustentáveis se não houver uma apropriação e um processo próprio de promoção da segurança e do desenvolvimento. Por outro lado, as intervenções internacionais – incluindo a ajuda ao desenvolvimento – não são inócuas e têm impactos, quer positivos quer negativos. Muitas vezes, concebem-se e implementam-se essas ações do ponto de vista técnico, esquecendo as suas repercussões a vários níveis, incluindo o carácter eminentemente político de muitas ações.
“(…) A pandemia veio principalmente agravar e acelerar tendências existentes, contribuindo para fatores internos e internacionais de instabilidade, exacerbando crises humanitárias, atuando como um fator adicional de pressão e como força multiplicadora da fragilidade. Nos casos em que este desafio de saúde global se intersecciona com conflitos violentos ou condições políticas específicas (…) poderá contribuir para novas crises ou para o agravamento das já existentes (NU, 2020a). Isto porque a crise sanitária se vem juntar a uma crise económica (contribuindo para esta) e a uma crise securitária, gerando efeitos multidirecionais e interligados.
Os países frágeis e/ou afetados por conflitos estão, neste contexto, sob uma “tempestade perfeita”, já que o impacto da pandemia se sente de forma especialmente aguda e desproporcional, por várias razões. Desde logo, o acesso a serviços públicos e sociais básicos tornou-se ainda mais difícil (…),as restrições de circulação impostas em muitos contextos impediram mais crianças de ir à escola, as desigualdades na educação agravaram-se (…) e a afetação de recursos financeiros e humanos para o combate à pandemia influenciou também a disponibilidade de recursos para outros setores”.