ENTREVISTA COERENTE COM GIULIA BONDI

Giulia Bondi | Climate Justice and Energy officer na CIDSE – Together for Global Justice

 

1. O que é a justiça climática e como se interliga com o desenvolvimento? Pode dar alguns exemplos práticos de injustiça climática?

As alterações climáticas são uma emergência humanitária e de desenvolvimento ao nível global, que afeta todas as pessoas no mundo mas em particular as comunidades mais pobres e vulneráveis, que contribuíram menos para esta crise. Quando a CIDSE fala de justiça climática, refere-se aos princípios da dignidade, solidariedade, apropriação, parceria, diálogo, subsidiariedade, sustentabilidade, uma gestão e modo de vida simples. Significa responder às alterações climáticas enquanto se avança também na equidade e na proteção e realização dos direitos humanos. É preciso que a crise climática seja abordada de uma forma holística e sistemática, uma vez que afeta todos os setores das nossas sociedade.
Infelizmente, as injustiças climáticas persistem em todo o mundo: são mortes devido a ondas de calor, cheias, aumento da frequência e intensidade dos tufões, e muitos outros desastres naturais. No entanto, as injustiças climáticas não se relacionam apenas com as mudanças atmosféricas, mas também com o nosso modelo atual de extração dos recursos naturais. A desflorestação, a exploração de combustíveis fósseis, petróleo e gás, a extração mineira de carvão e a exploração da terra, da água e dos oceanos estão a contribuir, todos eles, para que as alterações climáticas acelerem a destruição do nosso planeta e das espécies que nele vivem. Algo muito preocupante é o aumento dos assassinatos de defensores do ambiente no mundo: ativistas, guardas florestais e líderes indígenas estão a morrer de forma violenta em florestas ou aldeias remotas que são afetadas pela mineração, por barragens, pela exploração madeireira ilegal, pelos agronegócios. O aspeto mais triste é que muitos dos assassinos são contratados pelas empresas ou por forças estatais, e muito poucos são identificados ou presos.

2. Qual o papel da sociedade civil, e particularmente das ONG, na luta contra as alterações climáticas e na promoção de estratégias e processos de desenvolvimento resilientes ao clima?

O papel das ONG e de outros atores da sociedade civil é crucial no debate climático. As ONG atuam como fiscalizadores dos governos (e das empresas também) para que estes sejam responsabilizados pelas suas ações e pelas promessas que frequentemente são quebradas ou não cumpridas. As ONG são também uma fonte de informação, uma vez que podem disponibilizar aos decisores políticos uma análise crítica, bem como serem inovadoras e proporem novas formulações das políticas.
Como as alterações climáticas são uma questão intersetorial, as ONG podem ajudar a fazer essas ligações entre grupos e setores e, particularmente no caso da CIDSE, a assegurar que a perspetiva da justiça social é mantida, e que a voz das comunidades mais vulneráveis é ouvida e tida em consideração. Este trabalho de advocacia pode ser realizado a vários níveis; por exemplo, as ONG têm um papel importante enquanto observadores nas negociações da CQNUAC, podendo advogar e propor posições aos negociadores dos países.
Finalmente, as ONG têm ligações diretas com grupos da sociedade civil em todo o mundo, podendo implementar campanhas de mobilização e de sensibilização que denunciem falsas soluções e promovam alternativas reais para um futuro resiliente ao clima.

3. Qual a sua perspetiva sobre os resultados e seguimento da COP23? A comunidade internacional está no caminho certo para atingir as metas definidas, ou pensa que a urgência da mudança climática deveria ter abordagens diferentes das que estão a ser implementadas?

A COP23 foi realizada sob presidência das ilhas Fiji – o primeiro país do Pacífico a ter esta função importante e com uma posição cimeira nos impactos climáticos – e tentou definir o caminho para implementação do Acordo de Paris, mas a urgência necessária fez com que ficasse ainda aquém das expetativas. Por um lado, a COP23 conseguiu alguns resultados quanto aos compromissos nacionais para reduzir as emissões de GEE antes de 2020 e chegou também a acordo sobre as orientações para o Diálogo (facilitador) de Talanoa, a realizar no próximo ano, sendo um dos instrumentos do Acordo de Paris para rever e eventualmente aumentar os planos nacionais de transição para economias hipocarbónicas. Conseguiu igualmente definir pela primeira vez um Plano de Ação de Género e uma Plataforma dos Povos Indígenas, mas teve resultados desapontantes no apoio às “perdas e danos” e no financiamento climático em geral.

Existe, portanto, muito a fazer para conseguir atingir as metas do Acordo de Paris, especialmente quando consideramos uma meta de 1,5ºC de aquecimento global, pelo que é importante que a sociedade civil, mas também as empresas, sindicatos, etc., continuem a pressionar os governos a tomarem decisões corajosas. A COP23 colocou uma grande ênfase nas chamadas iniciativas dos “atores não-estatais”, que por um lado ajudam a acelerar a transformação ao nível local, mas que não devem, por outro lado, substituir o papel que o setor público deve desempenhar, especialmente no financiamento da mitigação e da adaptação. Isto é também fundamental para garantir que os princípios da equidade e da justiça se refletem nos compromissos nacionais e que o Acordo de Paris resulta para todos – não apenas para alguns, ou apenas para o setor privado.
Resumindo, a CIDSE acredita que a CQNUAC continua a ser o espaço mais importante para responder às alterações climáticas como uma questão global, e que o Acordo de Paris fornece um enquadramento no qual os países se devem basear e que devem cumprir. As políticas nacionais são, porém, cruciais para desbloquear a transformação e corresponder à urgência necessária, pelo que a advocacia deve ser realizada “a partir da base”, com um forte envolvimento da sociedade civil.