ENTREVISTA COERENTE COM PEDRO MARTINS BARATA

Pedro Martins Barata | CEO DA GET2C, Especialista em Alterações Climáticas

 

  1. Em termos globais, de que forma estamos (ou não) a assistir a uma mudança no paradigma energético?

Estamos claramente a assistir a uma mudança a vários níveis no paradigma energético, e há muitos indicadores que o atestam, em particular a queda contínua e sustentada dos custos de diferentes tecnologias de energia renovável e o desenvolvimento acelerado de novos modelos de negócio, como sejam as cooperativas de produção solar. A transição energética é, por isso tudo, certa. Menos certo é, se quisermos, a configuração futura do sistema energético. É provável que, mesmo sem grande apoio público, tenha a nível global e nacional, por exemplo, muito mais auto-produção/consumo renovável do que o sistema atual; também é provável que terá taxas de eletrificação de consumos energéticos mais altos (com o ganho dos sistemas elétricos na mobilidade, por exemplo), mas a dimensão da transição e a sua velocidade ainda estão por determinar.

  1. Da sua experiência profissional, acha que os instrumentos financeiros existentes de apoio à mitigação e adaptação são adequados, coordenados e suficientes para as metas que se pretendem atingir?

A nível internacional, diria que a coordenação dos diferentes instrumentos financeiros continua a ser uma miragem. Sobretudo continua a existir um peso considerável, a nível dos investidores institucionais clássicos, no investimento que não é nem resiliente ao clima, nem em baixo carbono. Contudo, mesmo aí vê-se continuamente “mudança, tomando sempre novas qualidades”: na semana passada o maior fundo de investimento público do Mundo, o fundo de pensões norueguês, anunciou a retirada dos seus investimentos nos interesses ligados ao carvão ou ao gás natural.

Ao nível nacional, existe já alguma coordenação, sobretudo ao nível do Fundo Ambiental, do financiamento climático. Contudo, esse financiamento, não deixando de ser relevante, não obsta a que continue a faltar uma reflexão sobre o papel do financiamento público mais lato na promoção seja da adaptação seja da mitigação ao clima.

  1. Pode dar exemplos de projetos/ações concretas, no contexto nacional ou europeu, que tenham contribuído (ou estejam a contribuir) para combater as alterações climáticas com benefícios em termos de desenvolvimento dos países e das comunidades?

Há uma multiplicidade de projetos e ações concretas que se podem enunciar. Para focar apenas dois em que estamos envolvidos no seu desenvolvimento, estamos a ajudar o governo de Cabo Verde numa estratégia de desenvolvimento das energias renováveis (Portugal apoiou no passado já um esforço de identificação do potencial renovável). Essa estratégia potenciará a segurança no abastecimento às populações, contribuirá para aumentar em alguns casos a resiliência aos impactos das alterações climáticas (por exemplo na melhoria da gestão da água) e permitirá a criação de emprego local ligado aos projetos de energias renováveis nas ilhas.

Noutro projeto em que estamos também envolvidos, estamos a apoiar o desenvolvimento de um fundo estatal na Tunísia para o apoio a projetos de energias renováveis e a criação de um sistema de apoio à neutralidade carbónica das empresas tunisinas.

Num outro projeto pioneiro em Portugal, elaborado por uma equipa do Instituto Superior Técnico, desenvolveu-se um sistema de apoio à sementeira de gramínea especialmente adaptadas em Portugal para a maximização do sequestro de carbono, com impacto simultâneo na melhoria da retenção de nutrientes no solo. Esse projeto ganhou inclusive um projeto europeu de inovação.

  1. No contexto nacional, o que gostaria de destacar em termos do combate às alterações climáticas?

Portugal tem já um “track record” em alterações climáticas bastante impressionante, em particular nas energias renováveis. Portugal tem também um “track record” na área da eficiência energética industrial (embora pouco conhecido). Finalmente, fez-se já muito em termos de planeamento ao nível local e sensibilização para os impactos das alterações climáticas, através de projetos como o recente ClimAdaPT.

  1. O que é o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e de que forma contribuirá para um desenvolvimento sustentável?

O Acordo de Paris, de que Portugal é parte integrante, estipula como objetivo global a neutralidade carbónica” ou seja, o balanço entre as emissões e o sequestro global na segunda metade do século XXI, pois só com esse nível de ambição se poderá cumprir o objetivo de evitar danos no sistema global, ainda mais consideráveis e irreversíveis dos que já estamos a experimentar. Portugal assumiu o ano passado o objetivo político de atingir, pelo seu lado, a neutralidade carbónica em 2050. Tal implica nada menos do que uma transformação a vários níveis da economia e sociedade portuguesas no espaço da próxima geração: nos sistemas económicos, no sistema energético, nos padrões e hábitos de consumo. O Roteiro pretende ser um exercício de prospetiva que permita perceber quais os caminhos que nos podem levar à neutralidade carbónica. Ao mesmo tempo, o Roteiro permitirá tirar ilações sobre o “timing” crítico de algumas decisões que o país deverá tomar nos próximos anos por forma a manter em jogo o objetivo da neutralidade carbónica. Ou seja, apesar de o objetivo ser para 2050, é importante que se perceba na sociedade que esse objetivo tem implicações diretas já hoje sobre decisões que podem e devem ser tomadas. A neutralidade carbónica é em si mesmo um contributo para o desenvolvimento sustentável, sem dúvida. O Roteiro tentará também evidenciar quais os desafios que a transição energética trará também a nível social e económico, e como garantir que a mesma não põe em perigo outros objetivos do desenvolvimento sustentável.