ENTREVISTA COERENTE COM FRANCISCO FERREIRA
Francisco Ferreira | Professor Universitário – CENSE/FCT-NOVA | Presidente da Zero
- Qual o balanço geral que faz da COP23? As políticas globais estão no rumo certo para conseguir manter a temperatura em 2ºC abaixo dos níveis pré-industriais?
Na COP 23, um dos trabalhos mais relevantes foi a preparação do denominado Diálogo Talanoa (palavra fijiana para conversa). Trata-se de um processo que, em última instância, deverá aumentar a ambição das metas climáticas de todos os países para o ano 2030, após a próxima Cimeira do Clima, a realizar em dezembro de 2018, em Katovice na Polónia. O roteiro do Diálogo Talanoa deve ajudar os países a superar o fosso entre o que se comprometeram a fazer e o que é necessário para manter o aumento da temperatura em níveis seguros. Dois meses antes, em outubro de 2018, será apresentado o relatório especial do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) que envolve mais de 3 mil cientistas, sobre as ações necessárias para redução das emissões de gases de efeito de estufa (GEE), para evitarmos um aumento de temperatura não superior a 1,5 graus Celsius, em relação à época pré-industrial. Este relatório vai certamente mostrar quão longe estamos da trajetória desejável. Nesta Cimeira em Bona, além do compromisso de discutir a forma de ampliar a ação climática, os países fizeram progressos modestos no desenvolvimento de um texto de negociação para o “Livro de Regras de Paris”, que inclui as diretrizes necessárias à implementação do Acordo de Paris. Ainda há muito trabalho a ser feito, já que as regras devem ser finalizadas no próximo ano para serem adotadas na próxima Cimeira em 2018. Também se registaram progressos limitados nas questões concretas relacionadas com o financiamento climático e como lidar com os impactos catastróficos das alterações climáticas, como os que alguns países vulneráveis sofreram nos últimos meses. As decisões apenas aprovaram o processo para discutir estas questões, não definindo ainda as ações concretas, que voltaram a ser adiadas para 2018.
- O apoio concedido aos países mais pobres nesta área – incluindo adaptação, perdas e danos, novas tecnologias – é satisfatório?
As questões financeiras continuaram no topo da agenda da Conferência, na medida em que é preciso redefinir o futuro de alguns fundos e o aumento das contribuições atuais, como é o caso do denominado Fundo de adaptação destinado aos países em desenvolvimento. No que respeita ao mecanismo de perdas e danos, onde se procura assegurar que os países com menos recursos afetados por eventos extremos acentuados pelas alterações climáticas como furacões ou tufões, secas severas, grandes cheias, possam recuperar das consequências infligidas, pouco se avançou, tendo apenas ficado agendadas novas discussões num futuro próximo para identificar como poderão ser constituídos nomeadamente um regime de seguros especiais. Em Bona, foi muito importante a discussão sobre o enquadramento e a garantia dos compromissos presentes no Acordo de Paris de assegurar 100 mil milhões de dólares por ano a partir de 2020, inclusive, para apoio aos países em desenvolvimento, para traçarem um caminho menos penalizador em termos de emissões e poderem adaptar-se a um clima em mudança.
- A União Europeia tem afirmado ser um líder nesta matéria, com metas ambiciosas. Considera que há uma atuação concertada ou que existem incoerências na atuação europeia?
A União Europeia precisa de avançar e aproveitar ao máximo toda a discussão entre países no já referido Diálogo Talanoa que constitui uma oportunidade para se aumentar o seu objetivo climático para 2030, através do desenvolvimento da nova estratégia carbono zero para 2050. É necessário fazer mais e muito mais rápido, na medida em que o ritmo atual das negociações não coincide com a urgência da ação climática, nem com a velocidade de transição energética para as energias renováveis e acessíveis a todos.
- Pode dar exemplos de projetos ou ações concretas no âmbito do combate às alterações climáticas e/ou da energia que considere serem bons contributos para um desenvolvimento sustentável?
Para além de um vasto conjunto de iniciativas anunciadas entre diversos países, foi muito positivo que o governo português se tenha comprometido internacionalmente, no quadro da “Powering Past Coal Alliance”, a encerrar as centrais térmicas a carvão de Sines e Pego até 2030, sendo que mesmo assim é perfeitamente possível e desejável que tal aconteça até 2025, ou até antes. Portugal é felizmente um dos países do mundo com maior ambição climática ao assumir a vontade de ser neutro em carbono em 2050 e é importante que o roteiro que está a ser desenhado responda efetivamente a este objetivo e com a implementação de políticas com a maior brevidade possível. No plano internacional, Portugal mostrou-se disponível para, com outros países, levar a Europa a assumir metas mais ambiciosas, para além dos 40% de redução entre 1990 e 2030, pelo que se esperam agora negociações para concretizar esta intenção. Também se deve salientar que na ação internacional, Portugal não se tem resumido à Europa, sendo desejável que o país reforce ainda mais o seu papel na cooperação no combate às alterações climáticas junto dos países em desenvolvimento.