ENTREVISTA COERENTE COM PEDRO KRUPENSKI
Pedro Krupenski | Diretor de Desenvolvimento da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento
1 – Na sua opinião, quais os principais fatores que têm dificultado um maior contributo do comércio para o desenvolvimento global, particularmente nos países mais pobres? Vivemos atualmente numa altura mais ou menos propícia a esse contributo, em comparação com o início do século?
Creio que o principal fator que tem dificultado – senão impedido – uma efetiva contribuição do comércio para o desenvolvimento global é o que, designadamente a UNCTAD, chama “hiperglobalização”. Nada contra a globalização. Tenho, contudo, várias reservas relativamente à forma e ao ritmo como tem sido levada a cabo e, sobretudo, ao preço que se tem pago por ela, do ponto de vista civilizacional. Na verdade, permitam-me a metáfora, a globalização tem sido a concretização da decisão insensata de matar a galinha de ovos de ouro para extrair os ovos que tem em gestação por oposição a mantê-la viva, bem alimentada e fecunda por muitos e longos anos. É que de mãos dadas com este fenómeno da globalização, tem caminhado o aumento inexorável das dívidas públicas e o concomitante enfraquecimento do poder político e das democracias, a hegemonização do poder económico privado, a adoção do neoliberalismo como o mantra generalizado na narrativa económica e – pior – na narrativa política.
O aumento das dívidas públicas, além de às políticas de austeridade, tem dado lugar à liberalização da economia, às privatizações e à desregulamentação dos mercados. Os decisores políticos, com poder económico enfraquecido, têm dado voz e lugar aos detentores do poder económico (setor privado) ao invés de os terem dado às suas bases democráticas. Com efeito, ao setor privado neoliberal convém a remoção das barreiras sociais e ambientais à geração de lucro e, como tal, têm levado o poder político a fazer graves cedências a favor de pequenas franjas da sociedade em detrimento da maioria.
É disso claro exemplo o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) negociado num regime de preocupante secretismo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América que terá como consequências, a troco da liberalização do comércio entre as partes, o retrocesso nos direitos laborais, dos consumidores, ambientais, na saúde pública, entre outros, chegando a colocar em causa o Estado de Direito e a separação de poderes.
Outro lamentável mas eloquente recente exemplo da hegemonia do poder do setor privado sobre os decisores políticos democraticamente eleitos é o desfecho da revisão, no Parlamento Europeu, da Markets in Financial Instruments Directive (MiFID). Esteve em causa a criação de limites à especulação financeira sobre o mercado de futuros das commodities. Para bens agrícolas como cereais e outros foi criado um mecanismo de venda antecipada (antes das campanhas e das colheitas) de determinados produtos, permitindo previsibilidade e segurança aos produtores ao ser criada a convicção de que poderiam plantar sem grandes riscos pois, chegada a altura da venda, os produtos seriam vendáveis por um preço previamente definido. Ora, o mercado financeiro usurpou esta ferramenta e lançou-se na especulação comprando e vendendo os direitos sobre futuros, gerando uma enorme volatilidade de preços e levando à frustração das expectativas dos produtores e – pior – à impossibilidade (devido aos elevados preços) de o comum cidadão dos países em desenvolvimento comprar estes produtos. Perante esta situação, tendo tido o Parlamento Europeu a possibilidade de criar barreiras e limites a esta especulação, deixou-se levar pelo poderoso lobby financeiro e contentou-se com pouco mais do que a alteração da linguagem na Diretiva em causa.
Estamos pois perante uma era em que os Governos se tornaram parte do problema e não da solução, porquanto lutam pelos interesses de uns poucos em detrimento do interesse da maioria. Todas estas opções têm criado profundas desigualdades (a riqueza concentra-se nas mãos de muito poucos), originando problemas profundos como os cada vez maiores fluxos de migrações e de refugiados, a insegurança, o ódio e a xenofobia.
Vivemos atualmente numa altura mais ou menos propícia ao contributo do comércio para o desenvolvimento, em comparação com o início do século? Atualmente muita gente autorizada começa a evidenciar a falibilidade e os efeitos perversos do neoliberalismo apelando à mudança de paradigma face a proposta de novas soluções. Atualmente temos referenciais de erradicação da pobreza à escala global (como são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS) que atribuem um papel (e grande responsabilidade) ao setor privado. Hoje temos uma Sociedade Civil organizada muito empenhada na avaliação dos sistemas, na denúncia dos abusos e desvios e na proposição de novos modelos e paradigmas. Temos, contudo, também uma sociedade de (des)informação que gera e alimenta apatias, ódios e indiferenças. É minha profunda convicção que somos a primeira geração com os meios, recursos e conhecimento para reverter as políticas e leis que não tenham as pessoas, a sua dignidade e seus direitos no centro. Não podemos, pois, falhar. Não podemos, pois, esperar que outros façam por nós o que deve ser feito. Temos que assumir o nosso papel de cidadãos, de consumidores e lutar à nossa escala, mudando hábitos de consumo e de convivência com o nosso semelhante com a urgente intenção de preservar a nossa espécie e o nosso condomínio global.
2 – Que incoerências gostaria de destacar no financiamento do desenvolvimento em termos globais?
As incoerências (e apenas tendo em conta o financiamento para o desenvolvimento) são incontáveis e muito complexas. É importante identificá-las e procurar saná-las. É, contudo, mais importante encontrar a(s) sua causa(s) remota(s) e eliminá-la(s). Doutro modo estaremos a lidar com os sintomas e não com a causa desta doença e, como tal, não conseguiremos ir mais longe do que vai um paliativo na redução das dores provocados por uma qualquer patologia.
A principal das causas remotas, a meu ver, é a (ainda!) hegemonia do poder económico sobre o poder político. É o poder político que tem o mandato para o cumprimento do contrato social, pugnado pelo bem-estar comum, pelo acesso em plano de igualdade aos bens e serviços essenciais à dignidade humana. Não é o poder económico. Se o poder político, põe de parte esse pacto social para dar lugar a outros interesses, está aberta a brecha para as incoerências que nascem perante o discurso que (de um modo geral) se mantém conforme aos bons princípios do humanismo e fiéis aos ditames do pacto social e a praxis política.
Um exemplo que costumo referir a este respeito, diz respeito aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), os antecessores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Quando foram aprovados, à semelhança do que aconteceu recentemente com os ODS, foram feitas contas sobre quanto custaria implementá-los. Chegou-se a montantes elevadíssimos e com eles a ceticismos da mesma dimensão. Diziam muitos que nunca se conseguira angariar em 15 anos tamanhos montantes para erradicar a pobreza. Porém, entre março e maio de 2009 (altura em que eclodiram os efeitos da crise financeira) angariou-se em apenas dois meses 30 vezes mais dinheiro do que supostamente seria impossível angariar em 15 anos para erradicar a pobreza, e com a finalidade de o injetar no mercado financeiro para os bancos não falirem e/ou continuarem a emprestar dinheiro. Não faltam pois os recursos. Falta sim é vontade política (e depois desta, a legislativa) para os afetar à eliminação dos desequilíbrios, desigualdades, à promoção da dignidade humana e aos direitos de TODAS as pessoas.
O que teria evitado isso e ainda não existe para evitar as mesmas incoerências na implementação dos ODS? As brechas que permitem o fluxo das incoerências não surgiriam (ou surgiriam com mais dificuldade) se os referenciais de luta contra a pobreza (designadamente os ODM e os ODS) tivessem força de lei ou equiparável. Na verdade, não passam de meras declarações políticas que podem ser postas para segundo (ou centésimo) plano quando outros interesses divergentes confluem e/ou conflituam, sem que daí advenham consequências. Com efeito, estes referenciais não dispõem de dispositivos sancionatórios a ser acionados no cenário de violação da sua parte substantiva.
Face à força do poder económico, as decisões políticas vergam-se impunemente e prossegue o business as usual. Para conferir este caracter vinculativo a estes referenciais não seria necessário reinventar a roda. Já existem protocolos opcionais a Tratados Internacionais que conferem maior força ao compromisso de quem o assumiu. Já existem mecanismos de revisão periódica dos compromissos assumidos, designadamente ao nível dos Direitos Humanos (como é o caso do Revisão Universal Periódica) e já existem Tribunais com jurisdição para julgar violações de Direitos Humanos por parte de Estados. Seria apenas uma questão de ampliar e ajustar mandatos. Enquanto isso não acontece, as democracias enfraquecidas fazem o que o interesse económico manda e isso nem sempre (ou quase nunca) é coerente ou compatível com o interesse de TODAS as pessoas.
3 – Como fomentar uma maior responsabilidade social empresarial e assegurar o respeito por padrões sociais e ambientais nos investimentos? Ao nível global e europeu, considera que tem havido progressos nesta área?
Creio que a própria adoção do desenvolvimento sustentável como o referencial até 2030 (apesar de tardia, já que o conceito de desenvolvimento sustentável tem mais de 4 décadas de existência) e a atribuição expressa de um papel preponderante ao setor empresarial na sua implementação e a consequente inclusão destes objetivos no léxico de muitas e na prática de algumas empresas são um passo muito importante.
Com efeito, não existe desenvolvimento sustentável sem o equilíbrio entre as dimensões económica, social e ambiental do desenvolvimento. Finalmente, tomou-se consciência de que não haverá desenvolvimento descurando as pessoas (dimensão social) e o seu condomínio global (dimensão ambiental), investindo apenas na geração de riqueza (dimensão económica). Creio que se está a evoluir no sentido de compreender (e praticar) que é lucrativo investir nas pessoas e na preservação dos recursos naturais. Assim sendo, há mais garantias de que a hegemonia do eixo económico irá acabar em nome do bem comum. Muitas empresas deixaram de encarar a sua responsabilidade social como uma atividade extra, esporádica, mas algo que deve estar integrado na estratégia empresarial e no modelo de negócio. A empresa não deve apenas só (e a qualquer preço) gerar lucro, mas também gerar impacto social (e ambiental) positivo.
Porém, a mudança será lenta. A academia de gestão e as escolas de vida empresarial ensinaram durante demasiado tempo que as empresas servem para gerar lucro e que qualquer obstáculo a esse fito é para contornar. Têm urgentemente que ser criados novos modelos económicos assentes no propósito de partilha e não de açambarcamento, dirigidos ao bem comum e não apenas ao bem de alguns. Têm que ser criados incentivos para que estas opções das empresas se tornem inevitáveis. Têm que ser criados estímulos para a criação de parcerias intersectoriais para que quem trabalhe o social e quem trabalhe o ambiental aporte valor a quem trabalhe o económico e vice-versa. Mais uma vez, arrisco dizer que somos a primeira geração com conhecimento e recursos suficientes para fazer esta mudança. Se não a fizermos, ficaremos nos anais como a geração mais irresponsável da história.
4 – Os fluxos financeiros ilícitos têm custos enormes para os países, em particular para os mais pobres; em que medida as políticas desenvolvidas para combater este fenómeno têm sido coerentes e adequadas?
Segundo a OCDE, cerca de 40.5 mil milhões de euros são o total dos fluxos financeiros que saem anualmente de África de forma ilícita. É um número, apesar de estimado com algum conservadorismo, verdadeiramente avassalador tendo em conta que se trata de um valor muito superior ao total anual da ajuda pública bilateral ao desenvolvimento dos países doadores ao continente africano, que atualmente ronda 24 mil milhões de euros. É, com efeito, uma estimativa muito conservadora pois muitos destes fluxos, sendo de natureza criminosa, não são detetáveis e, como tal, não são computados pelas estatísticas. Trata-se de dinheiro que circula ilegalmente (criminosamente!) nos circuitos de corrupção, de tráfico de droga, de tráfico de seres humanos, de armas, na mineração ilegal, na pirataria marítima e resgates por raptos, contrafação especialmente de tabaco, entre outros tantos crimes como o branqueamento de capitais.
Se juntarmos a estes fluxos ilícitos aqueles que são apenas injustos (pois não violam a lei vigente, mas apenas a contornam) como é o caso do repatriamento de capitais de multinacionais com sede em países doadores e cuja operação se encontra em países em desenvolvimento, o envio de capital para paraísos fiscais, evitando a tributação no país da operação e/ou o país da sede, então estes montantes desviados das regiões mais frágeis onde residem os principais conflitos e a pobreza extrema, aumentam substancialmente. Na medida em que grande parte destes fluxos retornam para os países ditos doadores, a responsabilidade perante este grave problema não é apenas dos países de origem. Trata-se de um fenómeno altamente complexo para o qual contribuem lacunas na lei, falta de vontade política, falta de concertação internacional, de fiscalização, de formação e capacidade ação, de informação e mecanismos de troca de inteligência e dados, de jurisdição, etc..
Fenómenos desta natureza carecem de medidas e políticas globais eficazes. Têm sido negociados, concertados e aplicados conjuntamente uma série de acordos e medidas para o combate a este fenómeno que vão desde a regulamentação à cooperação judicial e policial entre países, mas ainda não são eficazes.
No que diz respeito à jurisdição penal, a colaboração entre os países tem avançado, especialmente na investigação em casos branqueamento de capitais. No que diz respeito ao combate à pirataria marítima, ao tráfico de seres humanos, à partilha de dados e informação, têm sido dados alguns passos, mas ainda insuficientes. Por exemplo, já foi há 18 anos (em 2000) que foi aprovada em Assembleia-geral das Nações Unidas a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional (Resolução n.º 55/25), que classificou o branqueamento de capitais e a corrupção como crimes organizados transnacionais e criou medidas destinadas ao fortalecimento e capacitação dos Estados na luta contra estes crimes. Deveria ter sido feito mais e os resultados deveriam ser melhores.
Outro passo importante (a título de exemplo entre o muito que se tem feito neste campo) foi a criação do Financial Action Task Force (FATF), uma entidade intergovernamental, cujo objetivo é elaborar programas de prevenção. Após algum tempo, tornando-se evidente que para a prevenção não chegava a partilha de informação, o FATF reforçou a cooperação internacional na troca de informações, criando uma estrutura multidisciplinar (áreas jurídica, financeira, legislativa, fiscal e policial). Passou a monitorizar a implementação de medidas preventivas e de combate ao branqueamento de capitais, apoiando também na elaboração de medidas legislativas. O FATF, após o 11 de Setembro, criou (e vai atualizando) uma lista de paraísos fiscais, que classifica os países como cooperantes ou não cooperantes, sendo estes últimos os que não alinham na cooperação internacional. Os países não cooperantes não têm de todo ou têm medidas frágeis de combate aos crimes económicos. O FATF não tem legitimidade internacional para a aplicação de sanções, mas através dos seus peritos, vai verificando periodicamente o cumprimento das medidas preventivas e combativas, exercendo pressão para que os países se ajustem às boas práticas, sob pena de constarem da “lista negra”. Constar desta lista, na verdade, na lógica de mercado e do investimento, representa uma sanção na medida em que constitui perda de credibilidade perante a comunidade internacional. Em casos extremos pode inclusivamente ser suspenso ou expulso do FATF ou da OCDE.
Em suma, têm sido adotadas algumas medidas para evitar este fenómeno de “tirar com uma mão aquilo que se deu com a outra”, mas são ainda manifestamente insuficientes.
5 – Agora que se perspetiva um acordo sobre uma Taxa sobre as Transações Financeiras entre alguns dos Estados-Membros da União Europeia, isso terá algum impacto em termos do desenvolvimento global? Em que medida isto está ou não de acordo com o que tem sido reivindicado por várias organizações e redes da sociedade civil ao longo dos últimos anos?
Há quem lhe chame (erradamente, a meu ver) a “Taxa Robin Hood” por gerar receitas tiradas aos ricos para dar aos pobres. Identifico quatro problemas:
- a) Não se trata de uma taxa, pagamento efetuado pelo utilizador de um determinado serviço com vista a enfrentar os seus custos, mas sim de um imposto, um pagamento efetuado ao Estado sem que este fique vinculado ao encargo de providenciar uma contrapartida imediata.
- b) Parte da (falsa) honorabilidade do Robin Hood que roubava aos ricos para dar aos pobres. Ainda que desse um destino nobre ao produto do seu roubo, não deixa de ser um ladrão. Recuso a opção de considerar à partida o Estado um ladrão. No imposto em apreço (a que prefiro chamar de Tobin, o economista Prémio Nobel da Economia que o idealizou) ninguém se dispõe a roubar o que quer que seja, a quem quer que seja. Trata-se de um imposto sobre as transações financeiras cobrado pelo Estado às instituições financeiras. Este imposto recairá sobre qualquer transação financeira na qual tome parte uma instituição financeira, agindo em nome próprio ou por conta e/ou nome de terceiros e que tenha por objeto instrumentos financeiros.
- c) Sobre o destino que será dado às receitas arrecadadas pelos Estados através deste imposto: têm sido várias as Organizações da Sociedade Civil que têm defendido que uma parte significativa das receitas deste imposto deve ser obrigatoriamente despendida na luta contra a pobreza nos países que as arrecadam e nos países seus parceiros da Cooperação para o Desenvolvimento. Se vier a ser esse o destino destas receitas, excelente. Doutro modo, será mais um imposto.
- d) A perspetiva de vir a ser adotado a breve trecho um acordo europeu sobre a tributação das transações financeiras é muito positiva. Contudo, perspetiva-se que seja um acordo apenas entre alguns (e não todos) Estados-Membros da União Europeia, entre os quais se encontra Portugal. Isso é francamente menos positivo. É que os problemas transnacionais precisam de soluções transnacionais. A eliminação, por exemplo, de alguns paraísos fiscais não resolve o problema da evasão fiscal. Apenas aumenta o fluxo de fundos para os países que prevalecem como paraíso fiscal. Assim, a tributação das transações financeiras apenas por alguns Estados-Membros da União Europeia fará com que os agentes deste mercado encontrem forma de as transações ocorrerem nos países onde não são tributadas.
Porque devem ser tributadas as transações financeiras? É, no mínimo, justo que sejam. Ideologias políticas à parte, tendo em conta que o rendimento do trabalho é tributado inexoravelmente, por que razão não haverá o rendimento decorrente da fruição (quando não especulação) financeira ser objeto de impostos? O volume das transações financeiras é 70 vezes superior ao PIB global e está concentrado em investimentos especulativos e de alto risco. Em nome de que justiça deve a maioria dos cidadãos e cidadãs ceder ao Estado parte do salário fruto do seu trabalho e quem aufere rendimentos pela aplicação do seu dinheiro aqui e acolá não deve? Recorde-se que estão incluídos no conceito de “instrumento financeiro” os valores mobiliários como ações e obrigações, unidades de participação em organismos de investimento coletivo, os instrumentos do mercado monetário (exceto meios de pagamento) e os contratos derivados (opções, futuros, swaps, contratos a prazo de taxa de juro, etc.) relativos a valores mobiliários, divisas, mercadorias, taxas de juro ou de rendibilidades ou outros. Tributar este tipo de operações será uma questão de justiça (fiscal) e, como tal, um contributo para a redução das desigualdades.
6 – Que exemplos positivos e lições aprendidas gostaria de destacar relativamente ao trabalho da Oikos nestas matérias (comércio justo, consumo ético e responsável, acesso a mercados, inclusão financeira)?
A Oikos conta com um capital de experiência e de conhecimento acumulado ao longo de mais de 30 anos. De alguma forma avant la lettre a Oikos adotou o desenvolvimento sustentável na sua visão e missão, como consta dos documentos fundacionais. Cedo compreendeu (e pôs em prática) que para corrigir as assimetrias económicas e de conhecimento e assim melhorar a vida das pessoas com que trabalha, não basta atuar com elas e junto delas. É também necessário influenciar as políticas públicas, sensibilizar a opinião pública, atuar junto daqueles que deverão integrar estes “excluídos”. Assim, seria um exercício difícil extrair de uma história de três décadas exemplos positivos neste sentido, já que estas matérias e os princípios a elas inerentes têm sido uma constante. Porém, evidencio duas experiências muito interessantes:
Uma destas experiências é o “Comércio Justo – Probanano – sustentabilidade do setor bananeiro como forma de contribuir para a redução da pobreza na região de Piura”, projeto concebido e implementado pela Oikos, no Peru, entre 2012 e 2016. A Oikos agregou vários produtores de banana, organizou-os em cooperativas e outras associações, dotou-os de capacidade produtiva estandardizada de banana biológica e criou as condições para acesso ao mercado local, nacional, regional e de exportação. O projeto foi de tal modo bem-sucedido que o volume e qualidade de produção permitiram que os produtores envolvidos estejam a abastecer o mercado, designadamente o de exportação, enviando semanalmente vários contentores de banana para o norte da Europa. Para Portugal conseguimos importar estas bananas para duas das maiores cadeias de distribuição no nosso país a um preço equiparável à banana convencional, com a significativa diferença de que os produtores arrecadam a fatia principal da margem. Infelizmente este circuito foi interrompido por efeito do El Niño que afetou, no final do ano passado, uma parte significativa da produção. Esperamos retomar em breve.
Outro exemplo é o SmartFarmer (www.smartfarmer.pt). Trata-se de uma plataforma de compra e venda de hortofrutícolas e derivados que, por georreferenciação, põe em contacto direto os pequenos produtores e consumidores portugueses que efetuam as transações sem intermediário e, como tal, a margem que seria entregue ao retalhista reverte a favor do produtor que é pago em 3 dias e já não em até 120 dias, como acontece em demasiados casos. O consumidor passa assim a ter acesso, neste circuito curto agroalimentar, a produtos locais, frescos e rastreáveis, cuja compra e consumo favorece a economia rural e, por arrasto, a economia nacional.