Manuel Cardoso 

Manuel Cardoso, jovem de Maputo, trabalha na ONGA moçambicana Livaningo. Desenvolve projetos de apoio à produção de fogões sustentáveis e energias renováveis. O slogan da Livaningo é: “Do ambiente não basta falar, é preciso cuidar!”

“A sociedade, através de organismos não-governamentais e associações intermédias, deve forçar os governos a desenvolver normativas, procedimentos e controles mais rigorosos. Se os cidadãos não controlam o poder político – nacional, regional e municipal –, também não é possível combater os danos ambientais.”

(LS 179)

Manuel Cardoso é moçambicano e trabalha na Livaningo desde 2013, na área da energia limpa e alterações climáticas. Encontrámo-lo numa manhã na sede da Livaningo, no bairro de Malhangalene, em Maputo. O esmero com que nos explicou os projetos em que está envolvido manifestam a sua forte convicção na missão desta ONGA moçambicana: garantir a justiça e o bem-estar das comunidades mais vulneráveis. Procuram alcançá-lo nas áreas da governação participava, gestão e transparência dos recursos naturais e indústria extractiva, mudanças climáticas, litigâncias e género, como área transversal. A ação da Livaningo estende-se a Maputo, Inhambane, Sofala, Cabo Delgado, Tete e Nampula, cobrindo o Corredor de Nacala, incluindo Manica e Zambézia. Trabalham com as comunidades e junto dos decisores políticos, numa dinâmica das bases para o topo.

Com a Plataforma Nacional das Organizações da Sociedade Civil para as Alterações Climáticas em Moçambique, procuram perceber se o funcionamento dos fundos de ação climática é eficiente e transparente; até que ponto as comunidades vulneráveis são envolvidas no processo de planificação, implementação, monitorização e encerramento dos processos, políticas e instrumentos legais, e como decorre a coordenação interministerial em Moçambique. Iniciaram também, recentemente, um trabalho de advocacia na área dos refugiados climáticos, de maneira a incluir as comunidades afetadas por secas, ciclones, inundações no plano estratégico do Governo e pretendem que se reveja a política migratória, de modo a reconhecer que a fome, os fenómenos meteorológicos extremos e os conflitos políticos estão interligados. Será uma forma de responder ao Acordo de Paris, assinado por Moçambique.

Na energia limpa e alterações climáticas, a área de Manuel, dedicam-se sobretudo a duas ações comunitárias: promover o acesso às energias renováveis, como lâmpadas solares, e tecnologias de aproveitamento da biomassa, como os fogões melhorados. Manuel diz-nos, prontamente, que o potencial energético de Moçambique não justifica que mais de 70% da população não tenha acesso à rede nacional de energia. Porque a energia é vital para outros setores como a educação e a agricultura, a Livaningo quer envolver as comunidades, sobretudo rurais, para perceber em que tipo de estruturas se deve investir. Nesse sentido, tentam influenciar a política energética e a estratégia de desenvolvimento e aproveitamento das energias renováveis. Além disso, Manuel refere que Moçambique é o único país na África Austral que pratica altas taxas de importação de energias limpas e renováveis, bem como sobre os seus sistemas. Por isso, também procuram mudar a política de tarifas energéticas e pesquisam sobre o potencial das energias renováveis na redução da pobreza energética, tendo em conta a rede nacional fornecida pela EDM. De acordo com o relatório mais recente da Aliança Lusófona para as Energias Renováveis (ALER), “o país dispõe de um espectro teórico diversificado que perfaz um total de 23.026 GW, sendo a energia solar a fonte de energia mais abundante (23.000 GW).” Para além da disseminação de lâmpadas solares e postos de carregamento de telemóveis, que duram cerca de 6 horas, a Livaningo está a tentar influenciar o governo para instalar, em Magude, uma bomba de água com recurso à energia fotovoltaica. Desse modo, poderiam irrigar as machambas e contribuir, assim, para a segurança alimentar.

Manuel assegura que a maior parte da população tem conhecimento das energias renováveis, mas não tem acesso às mesmas. Acaba por ser utilizada maioritariamente a biomassa (lenha ou carvão vegetal). De facto, as estatísticas indicam que até 95% das famílias moçambicanas dependem da biomassa como fonte diária de energia de cozinha. Segundo o Compacto Africa Energy, este combustível de biomassa é produzido inteiramente a partir de florestas naturais usando técnicas de carbonização tradicionais ineficientes, como os fornos de terra com 14% de eficiência (necessitando até 10kg de madeira para produzir apenas 1kg de carvão vegetal). 17 milhões de toneladas de biomassa são consumidas por ano pelo setor doméstico e institucional. As emissões de gases de efeito de estufa associadas à produção vegetal por agregados e instituições são elevadas e deverão aumentar com o crescimento da população e as áreas florestais em torno de grandes cidades já estão severamente esgotadas em resultado da produção de carvão vegetal. Os fogões melhorados permitem contrariar esta tendência.

“Muito daquilo que nos falta é fruto de não termos boa relação com a Natureza.”

Manuel Cardoso é formado em Geografia, Planificação e Desenvolvimento Regional e, quando se juntou à Livaningo, começou a fazer pesquisa sobre isto mesmo. Foi assim que começou a perceber as mudanças necessárias e o seu papel nelas. Interessou-se por alterações climáticas quando fez um intercâmbio na Noruega, com a Naturvernforbundet e a Friends of the Earth. Foi aí que, ao discutir os relatórios do IPCC, se apercebeu de que os jovens dos países menos desenvolvidos serão os mais afetados pelas alterações climáticas e, ao mesmo tempo, os que têm menos interesse por assuntos ambientais. Por isso, começou a escrever um blogue e a dar palestras sobre os efeitos das alterações climáticas em África, ainda na Europa. De regresso a Moçambique, reparou nesse mesmo desinteresse. “Não temos ativistas ambientais. Os nossos jornalistas também não publicam notícias sobre meio ambiente. Sei que posso ser um agente de mudança. O meu foco é tentar envolver mais jovens, mesmo de forma individual.”

Para Manuel Cardoso, o problema com a juventude moçambicana é também a incoerência ou pouca educação. “O maior produtor do lixo é o jovem. É o mesmo jovem que quer melhor gestão dos solos, melhores condições de vida, mas está metido no negócio ilegal de madeira.” Conta-nos uma limpeza de praia na qual participou e como, no dia seguinte, viu dezenas de garrafas no mesmo areal. “Temos de investir na educação ambiental com urgência.” A Livaningo advogou durante muito tempo pela inclusão desta disciplina no currículo escolar e, em 2019, finalmente, foi implementada no ensino primário. Agora estão a tentar acompanhar a formação de conteúdos da disciplina. Nota também que os jovens ainda procuram no ensino superior sobretudo cursos de engenharia de petróleo e gás, economia, administração pública. Na realidade, diz-nos, “o ensino superior disponibiliza mais vagas para as engenharias, mas para ambiente as vagas são muito reduzidas. Mesmo nesses cursos, não há aulas práticas, não se fala de energias limpas, não se fala de alterações climáticas.”

Expõe o problema de forma clara: “Muito daquilo que nos falta é fruto de não termos boa relação com a Natureza. Em Magude e Manhiça capacitamos mulheres e jovens a produzir fogões melhorados fixos, porque sabemos que têm benefícios no ambiente e na saúde, mas nos primeiros dois anos falhámos a componente económica: era preciso explicar que usar menos lenha e carvão permitiria a poupança, aumentando a renda familiar, para cobrir despesas como as da educação. O primeiro fruto que tivemos nestas comunidades foi a criação de um comité de gestão dos recursos naturais. Agora esse comité já consegue escrever ao administrador para pedir áreas protegidas. Há questões de educação e de cultura que dificultam o nosso processo, mas os resultados mostram que é possível. É preciso ir adaptando estratégias para envolver as comunidades.”

A convite do Manuel, fomos conhecer um dos produtores de fogões melhorados: o senhor Alberto Maluana, na Matola, em Boane. O senhor Maluana é oleiro e, em 2014, a Kulima, ONG moçambicana, e a EndEv, agência de desenvolvimento alemã, propuseram-lhe uma formação na Beira para aprender a fazer os pratos para os fogões melhorados. A partir daí passou a ser produtor. A Livaningo apoia produtores como o senhor Maluana na venda destes fogões, que custam cerca de 450 meticais (cerca de 6 euros). O senhor Maluana conta-nos que a sua maior dificuldade é no transporte de materiais, que é dispendioso, e na falta de mão-de-obra. Neste momento, tem dois jovens a trabalhar com ele. É um avanço que o alegra. Em geral, diz que é uma mudança positiva na sua vida: traz-lhe rendimento e sabe que está a apoiar a comunidade a poupar, a poluir menos e a viver em melhores condições. Observamo-lo na roda do oleiro, com muito gozo, a moldar um prato. Leva o seu tempo, repete, explica-nos o que está a fazer. Com paciência e empenho, procura a forma justa. Como o Manuel, sabe que vai servir alguém com o seu trabalho. É isso que os move aos dois.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em destaque:

6.4 Até 2030, aumentar substancialmente a eficiência no uso da água em todos os sectores e assegurar extrações sustentáveis e o abastecimento de água doce para enfrentar a escassez de água, e reduzir substancialmente o número de pessoas que sofrem com a escassez de água.

7.1 Até 2030, assegurar o acesso universal, de confiança, moderno e a preços acessíveis a serviços de energia.

7.2 Até 2030, aumentar substancialmente a participação de energias renováveis na matriz energética global.

7.3 Até 2030, duplicar a taxa global de melhoria da eficiência energética.

7.a Até 2030, reforçar a cooperação internacional para facilitar o acesso à investigação e tecnologias de energia limpa, incluindo energias renováveis, eficiência energética e tecnologias de combustíveis fósseis avançadas e mais limpas, e promover o investimento em infraestrutura de energia e em tecnologias de energia limpa.

10.7 Facilitar a migração e a mobilidade das pessoas de forma ordenada, segura, regular e responsável, inclusive através da implementação de políticas de migração planeadas e bem geridas

13.2 Integrar medidas relacionadas com alterações climáticas nas políticas, estratégias e planeamentos nacionais.

13.3 Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas

15.2 Até 2020, promover a implementação da gestão sustentável de todos os tipos de florestas, travar a deflorestação, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente os esforços de florestação e reflorestação, a nível global.

16.7 Garantir a tomada de decisão responsável, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis.

Esta publicação é produzida no âmbito do projeto Juntos pela Mudança II – Ação conjunta pela sustentabilidade e resiliência nos estilos de vida e políticas nacionais e globais – implementado em Portugal pela Fundação Fé e Cooperação, a Associação Casa Velha e a CIDSE.

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