Matilde Alvim 

Matilde Alvim, 18 anos, vive na Serra do Louro, Setúbal. Estuda antropologia e é organizadora da Greve Climática Estudantil. Acredita que a justiça social e a justiça ambiental são sinónimos.

“Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza.”

(LS 139)

Não há dúvidas de que foram as greves estudantis, iniciadas em 2018, que tornaram a crise climática num problema político corrente. No entanto, ainda há uma grande distância entre as palavras de muitos líderes políticos e a sua ação efetiva. É por esse mesmo motivo que as manifestações continuam a tomar a rua no mundo inteiro para exigir medidas de ação climática mais rápidas, ambiciosas e justas. Já não são apenas estudantes: é um movimento global, apartidário, como sempre foi, e que integra todas as idades, origens e inspirações. O ativismo não parou com o confinamento imposto pela crise do coronavírus. Tomou novas formas inteligentes e criativas de estimular o debate público e provocar as estruturas de poder nas redes sociais, um pouco por todo o mundo. Em Portugal, o movimento não se cinge às grandes cidades e, à data, está presente em 29 localidades, incluindo nas ilhas. É o caso de Matilde Alvim, co-organizadora da Greve Climática Estudantil (GCE) em Portugal, que vive perto de Palmela, em plena Serra do Louro.

Matilde tem 18 anos, mas começou a co-organizar a greve ainda no ensino secundário. Fomos conhecer a sua casa e passear pelos trilhos próximos. Matilde diz-nos que gostava de conjugar vida no campo e na cidade. “A Serra do Louro dá serenidade. Há uma paz de espírito em estar aqui”. Refere que gostava de ver mais áreas verdes na cidade e aponta para os problemas das pedreiras e dos aterros a céu aberto na Serra da Arrábida. Desde sempre que atentou no lixo à sua volta, sobretudo quando, ainda criança, leu um artigo na Visão Júnior sobre o “Great Pacific Garbage Patch” no Pacífico, o “terceiro maior continente” do mundo, composto inteiramente por resíduos. Foi percebendo que os problemas ambientais, sobretudo a crise climática, são mais profundos; que a resolução não se esgota na responsabilidade civil, em cada cidadão “não poluir”.

“É preciso ir à fonte. Temos de acabar com a culpabilização do indivíduo e com o greenwashing. Os estilos de vida sustentáveis não se alcançam a nível individual.” Isto hoje é mais claro para os cidadãos, que cada vez mais compreendem que a sua própria “pegada ecológica” não basta. Este conceito foi, aliás, popularizado por uma campanha da BP, em 2005, que, de acordo com a investigadora Julie Doyle, teve um papel fundamental no desvio das responsabilidades corporativas, sobretudo da indústria fóssil. A indústria fóssil, segundo o Climate Analysis Indicators Tool (CAIT) do Instituto Mundial dos Recursos, foi responsável por cerca de 89% das emissões de CO2 em 2016 (e o CO2 compõe 74% dos gases de efeito de estufa). Matilde refere que a indústria fóssil já desde os anos 60, conhece os impactos das emissões de gases de efeito de estufa e, ainda assim, tem consistentemente aumentado a sua atividade. Tem também investido em campanhas de desinformação e lobbying para influenciar governos a não aderir aos compromissos internacionais de redução de emissões: mesmo desde o Acordo de Paris, segundo o Influence Map, as cinco maiores empresas de petróleo e gás já investiram mais de mil milhões de dólares nisso mesmo. O “Carbon Majors Report” (2017), do Carbon Disclosure Project, confirma: desde 1988, 100 empresas foram responsáveis por 71% das emissões de GEE, e 25 produtores de combustíveis fósseis responsáveis por 51% das emissões, de acordo com os relatórios voluntários das próprias. “Estas empresas devem ser responsabilizadas.” Doutra forma estaremos a cometer “um crime contra a Humanidade.” O ponto em que estamos não é de todo animador: a International Energy Agency divulga que a concentração média anual global de CO2 na atmosfera já duplicou desde os níveis pré-industriais (de entre 180 e 280 ppm a 407,4 ppm, em 2018) e afere que o CO2 emitido pela combustão do carvão foi responsável por mais de 0,3 ° C do aumento de 1 ° C na temperatura média anual da superfície global acima dos níveis pré-industriais.

“A conformação vai dar à extinção. Tem de haver uma consciência coletiva. Só assim conseguiremos sobreviver.”

Apesar do cenário negro, não se esquece do que a motiva a agir pelo clima. Não só o contacto com a Natureza, mas também “as pessoas, sobretudo as que estão mais em baixo na pirâmide social.” No caso da Serra do Louro, o maior problema social associado às alterações climáticas é e será cada vez mais o stress hídrico. Neste momento, no sentido da mitigação e da transição justa, preocupa-a o encerramento das centrais termoeléctricas, em particular a requalificação dos 400 trabalhadores da Central Termoelétrica de Sines, responsável, juntamente com a Central do Pego, por 15% das emissões de CO2 em Portugal, segundo dados do registo do comércio europeu de licenças de emissão relativos a 2018. Os organizadores da Greve Climática e de outros coletivos pelo clima, como a campanha “Empregos para o Clima”, têm dialogado com o Sindicato de Indústrias da Energia e Água (SIEAP), no sentido de apoiar os trabalhadores e compreender a melhor forma de advogar pela sua inclusão no processo de transição. As centrais já têm vindo a diminuir a sua produção devido ao aumento do custo das licenças de carbono e o seu encerramento estava previsto para 2030, de acordo com o Plano Nacional Energia e Clima. O Governo, em 2019, na sequência da grande mobilização civil, anunciou que seria adiantado para 2023, no caso de Sines. No entanto, ainda não chegou a um entendimento com a EDP para um plano de reconversão das centrais, e, portanto, do futuro dos trabalhadores.

“Precisamos de todos para a transição, porque esta transição é para todos.” Relativamente a críticas comuns ao movimento, tem uma resposta clara: “o que os movimentos sociais devem fazer face às críticas é não virar as costas.” É isso mesmo que a Matilde e os participantes na GCE fazem. Numa tarde em que preparava cartazes para mais uma greve, no meio de um jardim de Lisboa, um casal reformado interpelou-a, referindo que discordava da escolha dos estudantes em faltar às aulas e que a solução estaria em alterar os comportamentos individuais. Com tranquilidade, Matilde tentou explicar o seu ponto de vista. “É preciso ir adaptando o discurso. Temos de sair da nossa bolha. Não podemos ser sempre as mesmas pessoas. A desobediência civil (a greve à escola ou ao trabalho, por exemplo) pode ser assustadora, mas é necessária”, e reconhece: “não temos todos de fazer o mesmo.” Da mesma forma a investigação e a política institucional são fundamentais, desde que assegurem que ninguém fique para trás. No entanto, Matilde vê-se a fazer ativismo para a vida, sempre a partir das bases. As ciências sociais podem ter um papel neste sentido e, por essa razão, optou por estudar Antropologia.

Relativamente ao futuro não tão distante, não sabe se tem esperança. Há muitos sentimentos misturados: indignação, tristeza, otimismo. Diz que “há altos e baixos. É bom haver uma onda de mobilização maior”, que considera imparável. Não tem dúvidas de que terá de permanecer um movimento pacífico, mesmo diante da inércia e da mortalidade crescente provocada por esta crise. Diz-nos, no entanto, que não são as manifestações que vão parar as emissões: tem de haver uma revolução, uma mudança radical de paradigma socioeconómico. “Rosa Parks também fez desobediência civil”, relembra. Neste caso, é mais que um direito civil específico em jogo. É o direito à vida. “A conformação vai dar à extinção. Tem de haver uma consciência coletiva. Só assim conseguiremos sobreviver.”

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em destaque:

12.8 Até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e consciencialização para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.

13.2 Integrar medidas relacionadas com alterações climáticas nas políticas, estratégias e planeamentos nacionais.

13.3 Melhorar a educação, aumentar a consciencialização e a capacidade humana e institucional sobre medidas de mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce no que respeita às alterações climáticas.

16.7 Garantir a tomada de decisão responsável, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis.

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais.

16.b  Promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável.

17.14 Aumentar a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável

Esta publicação é produzida no âmbito do projeto Juntos pela Mudança II – Ação conjunta pela sustentabilidade e resiliência nos estilos de vida e políticas nacionais e globais – implementado em Portugal pela Fundação Fé e Cooperação, a Associação Casa Velha e a CIDSE.

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