Um novo normal ou mais do mesmo?

22 Mai, 2023Portugal, Projeto TikTak

Um novo normal ou mais do mesmo? Questionamentos em tempo de Crise.

Os últimos três anos, foram sem dúvidas, para muitos algo que podemos chamar de uma montanha russa emocional. Vivemos a pandemia com a esperança de que tudo acabasse rapidamente e que em meio ao “novo normal” surgisse um “novo amanhã”. O impacto desta experiência coletiva vivenciada por todas e todos, trouxe alterações e principalmente questionamentos cruciais ao funcionamento da nossa sociedade. Se por um lado tivemos uma forte restrição de alguns dos nossos direitos e um aumento da intervenção governamental na forma como vivíamos as nossas vidas, por outro o engajamento político da população em diversos países teve um aumento significativo. Estudos[1] mostram que a falta de tempo, devido ao trabalho e outros fatores, são obstáculos que impedem a sociedade de ser mais civicamente ativa. Podemos concordar, que durante a pandemia algo que muitos de nós ganhamos foi tempo, para refletir, para aprender coisas novas, para ver a nossa sanidade mental definhar aos poucos, mas também para percebermos que as injustiças sociais estavam cada vez mais visíveis, e os “problemas” do outro, passaram a ser nossos também.

Durante a pandemia, fomos testemunhas de diversos fenómenos sociais, sendo que neste artigo procurarei debruçar-me principalmente em três fenómenos que chamaram a minha atenção e estão conectados entre si: O impacto das restrições; A polarização e o benefício da dúvida; Uma sociedade global mais política.

Durante a pandemia, algumas palavras passaram a fazer parte do nosso vocabulário quotidiano, como lockdown, zoom e teletrabalho. Perdemos a nossa liberdade de ir e vir em muitos momentos e a certa altura já se tornava difícil compreender o que nos era permitido fazer e o que poderia resultar em consequências graves. Quero deixar claro que, em momento algum questionei a necessidade que tivemos em tomar decisões rápidas e urgentes, sendo visível que em Portugal as decisões tomadas pouparam muitas vidas ao longo da pandemia. Entretanto, ao exercer o meu direito de questionar, pergunto: Podemos dizer que estávamos sempre certos do que estávamos a fazer? Esta questão torna-se pertinente, quando percebemos que grupos vulneráveis tiveram um agravamento das suas problemáticas[2], seja a nível da violência contra as mulheres, acesso a saúde, condições humanas para detentos e reclusos… Não obstante, aqueles que não fazem parte de grupos vulneráveis, também observaram consequências do isolamento social, como um agravamento da saúde mental[3] da população em geral e a crise econômica que paira por todos nós. Não serão estes motivos suficientes para questionarmos as restrições? A resposta a essa pergunta não é tão simples quanto parece e nos abre a porta para o segundo ponto de discussão, a polarização e o benefício da dúvida.

Sem dúvidas que o papel das redes sociais e dos meios de comunicação durante a pandemia foi crucial para a circulação de informações, sejam elas verdadeiras ou falsas. Entretanto, no meio do caos, vimos que a polarização entre aqueles que acreditavam e seguiam as indicações do governo e quem as questionava e/ou não as cumpria, foi crescendo cada vez mais, escalando a conflitos e deixando o benefício da dúvida de lado. Quem acompanhava essas discussões de fora nas redes sociais via um concerto de insultos e desavenças, onde parecia que embora enquanto humanidade estávamos mais unidos e nos apoiamos uns nos outros para superar essa crise, perdemos a capacidade de comunicar de forma construtiva e de questionar de forma crítica aquilo que nos era apresentado. Investigadores como Alexei Anisin (2021)[4] trazem esse questionamento à tona, colocando em causa as decisões tomadas relativamente às restrições em detrimento da qualidade de vida e do bem-estar da população, bem como do impedimento do desenvolvimento de países do sul global e como já referido as catastróficas consequências em populações vulneráveis.

Neste contexto, vimos o crescimento do engajamento político na sociedade. Se por um lado, os protestos e ajuntamentos ficaram limitados, por outro, marcos históricos tiveram lugar, como o movimento Black Lives Matter como protesto à crueldade que aconteceu com George Floyd. O engajamento político nas redes sociais, a importância que as pessoas passaram a dar a certas pautas sociais e o conceito de cidadania ativa cresceu durante a pandemia. Passamos a viver num mundo em que não apenas estudiosos ou pessoas que normalmente demonstravam interesse no cenário político expressavam as suas opiniões e engajavam de forma ativa nas problemáticas sociais, mas sim camadas da população que antes não tinham uma voz tão ativa, passaram a ter. Essa polarização e forte engajamento político da população trouxeram consequências visíveis em países como o Brasil, com as eleições mais polarizadas no país e a Itália com a vitória da extrema direita. Por outro lado, é importante reconhecer que novas oportunidades se abrem, temos em mãos a oportunidade de efetivamente construir esse “novo amanhã”.

Deste modo, após levantar esses questionamentos, surgem dois sentimentos maioritários. O primeiro é de que efetivamente poderíamos ter feito melhor. Descuidámos, no meio do caos em que estávamos a viver, a atenção a grupos da sociedade que precisam do nosso apoio. Novos estudos[5] mostram o impacto que certas restrições tiveram nas crianças e jovens, sendo que as reais consequências só poderão ser compreendidas no futuro. É preciso resgatar (ou desenvolver) a nossa capacidade de comunicar, discordar e mudar de opinião, sem que seja necessário a antagonização do outro, pois somente assim, poderemos refletir sobre essas temáticas de forma contundente e construtiva. O segundo sentimento é de que ainda podemos fazer melhor! Muitas lições foram aprendidas ao longo da pandemia e para além de um conjunto de dados científicos que foram produzidos, temos dentro de cada um de nós um processo reflexivo que trouxe e continuará a trazer frutos que ao serem bem colhidos, poderão ser positivos e impulsionadores de um amanhã melhor.

Muito se fala na luta pelos nossos direitos, entretanto nunca fui fã da palavra luta, mas sim da promoção daquilo que queremos e acreditamos. Em alguns países o retrocesso obriga a que a luta seja real, entretanto em outros contextos mais privilegiados, podemos passar a discussão para outro patamar e em conjunto definirmos formas de construir essa sociedade que promove, respeita e salvaguarda os direitos humanos. Somente com um olhar e compreensão mais humanitário do outro e através da empatia[6] é que poderemos por fim ultrapassar essa crise que nos persegue a mais de 3 anos. Olhar para o futuro parece difícil, mas tal como o projeto Tik Tak sugere, o relógio não pára e a cada segundo que passa temos a oportunidade de ser e fazer melhor do que antes, para nós, para os outros e para aqueles que virão amanhã.

 

Vinicius Ramos – Gestor de projetos de Educação para a Cidadania Global
Associação Par Respostas Sociais

 

Referências:

[1] https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/casp.2528

[2] https://observador.pt/2021/11/24/impacto-da-pandemia-na-violencia-domestica-exige-olhar-especifico-sobre-grupos-vulneraveis/

[3] https://www.sns24.gov.pt/tema/saude-mental/impacto-da-covid-19-na-saude-mental/

[4] https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02589346.2021.1913799?journalCode=cpsa20

[5] https://www.gmmoving.co.uk/data-and-learning/the-impact-of-covid-19-restrictions-on-children-and-young-people

[6] https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpos.2022.855148/full

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